segunda-feira, 13 de agosto de 2012


Em defesa da árvore

Professor universitário sobe em árvore para evitar corte pela Prefeitura de São Paulo e levanta debate sobre arborização das metrópoles brasileiras

Larissa Veloso
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HOMEM DE AÇÃO
Contra as motosserras, Henrique Carneiro subiu em
uma das árvores da praça em frente à sua casa
Para a maioria dos habitantes das metrópoles brasileiras, as árvores da cidade não passam de um enfeite e essa é uma realidade fácil de constatar. Basta parar alguém na rua e perguntar se a pessoa sabe o nome das espécies próximas à sua casa ou pedir que cite apenas as principais da sua cidade. Tem até quem reclame das folhas que “sujam” a calçada ou das sombras que “protegem a criminalidade”.
Mas alguns fogem a essa regra. É o caso de Henrique Carneiro, 52 anos, para quem uma árvore não é só mais um acessório do mobiliário urbano. É por isso que na segunda-feira 6 o professor de história moderna na USP acabou subindo em um de seus exemplares favoritos para impedir que a Prefeitura de São Paulo cortasse parte de seus troncos. Próximo à casa do professor, na região do Butantã, zona oeste da capital, há uma praça com dezenas de espécies vegetais.
Muitas foram plantadas pelos próprios moradores. “As crianças brincam todos os dias nessas árvores, sobem nos galhos e brincam entre os cipós. Quando chega a primavera, ficam ansiosas para que a amoreira dê frutos. Essas espécies têm valor sentimental para nós”, enfatiza Carneiro.
"Muitos simplesmente não veem as árvores da cidade. 
Têm essa visão distorcida de que tudo é uma massa verde única"

Ricardo Cardim, ambientalista
Apesar de não prejudicarem a fiação ou a passagem, e estarem saudáveis, todas as árvores sofreriam cortes se não fosse a intervenção do professor. Em nota, a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo afirmou que o pedido de poda partiu do Conselho de Segurança da região, que “considerou o excesso de galhos um problema para a segurança dos frequentadores da praça” e que as podas foram recomendadas após “vistoria e laudos técnicos de engenheiros agrônomos”.
A ação isolada do professor chamou a atenção para algo que está no cotidiano da cidade, mas que pouca gente liga. “Muitos simplesmente não veem as árvores da cidade. Têm essa visão distorcida de que tudo é uma massa verde única. E depois, se você pergunta sobre meio ambiente, as pessoas dizem que apoiam sim, que é fundamental preservar. Morrem de dó quando assistem às imagens na tevê da Floresta Amazônica pegando fogo, mas não se importam de cortar uma árvore na frente de casa”, critica o ambientalista Ricardo Cardim, autor de um projeto de resgate das árvores nativas de São Paulo. “Hoje sabemos que as árvores são na verdade prestadoras de serviços ambientais urbanos”, acrescenta. Leia a íntegra da entrevista abaixo.
Nadando contra a corrente, o professor Carneiro continua atento ao menor sinal de barulho de serra elétrica perto de sua casa. Ele já inclusive entrou em contato com o Ministério Público e a Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Estado. “Também estamos nos mobilizando para fazer um abaixo-assinado. Não vou desistir”, diz, orgulhoso e atento, o dom Quixote da pracinha.
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"As árvores são prestadoras de serviços ambientais na cidade"
Autor do blog Árvores de São Paulo e criador de um projeto para recuperar a vegetação nativa da cidade, Ricardo Cardim falou a ISTOÉ sobre o problema da falta de verde nas nossas metrópoles.
ISTOÉ - Na última semana, o debate sobre a poda indiscriminada de árvores ganhou destaque em São Paulo. O que pensa sobre esse assunto?
Ricardo Cardim - É aquela velha história: a árvore acaba sendo sempre a vítima de qualquer intervenção urbana. Se há um problema de segurança, [como alegado pela prefeitura] por que não solucionar colocando uma iluminação nova abaixo da copa das plantas? Existe uma mania nacional de colocar a árvore na cidade como um obstáculo, ou somente como um enfeite na cidade. E hoje sabemos que elas são na verdade prestadoras de serviços ambientais urbanos.
E ao invés preservar e usar o verde para gerar bem-estar, o pensamento dominante é: “vamos construir essa rua, tirem essas árvores do caminho”. Como fizeram na marginal do rio Tietê. A árvore é vista como um obstáculo ao progresso, não como uma aliada no bem-estar da cidade. Isso é algo que me lembra os anos 40 e 50 do século passado, quando havia aquele lema de que “São Paulo não pode parar”.
ISTOÉ - Como está a questão da arborização em São Paulo?
Cardim - Hoje na cidade temos áreas que têm diferenças de até 14ºC, por causa da arborização [quanto mais área verde em uma região, mais baixa tende ser a temperatura. Quanto mais áreas cimentadas e asfaltadas, maior a temperatura. Esse fenômeno é conhecido como “ilhas de calor”]. Nos últimos anos tivemos um plantio maior em São Paulo. Mas esse plantio também nem sempre é feito com cuidado. Muitas espécies são plantadas na estação seca, na qual o índice de mortalidade é muito alto.
Outro grande problema que temos é que 80% das árvores nas cidades são estrangeiras. Há uma grande “invasão” de espécies que prejudicam o nosso meio ambiente. Isso levou à extinção em massa de vários animais, que estavam acostumados a se alimentar dessas mesmas plantas durante séculos. 
Isso também faz com que a população não conheça as árvores nativas da sua região. Muita gente olha para essas espécies e acham que é um mato que está crescendo ali. 
ISTOÉ - Mas como solucionar o problema da falta de verde nas cidades?
Cardim - O primeiro fator é investimento público. O governo tem que dar o peso devido ao meio ambiente, porque esse fator está diretamente ligado à saúde do cidadão. Em segundo lugar é preciso intensificar essa campanha de conscientização. Esse trabalho não precisa ser feito só pelo governo, mas também nas ONGs e nas escolas.  É preciso que as pessoas pressionem as autoridades pela limpeza dos rios, por exemplo.
O que falta é o fazer o próprio cidadão entender que o meio ambiente também é na cidade. Que se a pessoa fizer um jardim, cuidar das árvores da sua rua, do seu condomínio, ela está fazendo muito mais do que se ficar se preocupando sobre a Amazônia. As árvores da cidade são vistas como uma coisa romântica, um enfeite para a rua, algo supérfluo. 
O que eu vejo é que muitas pessoas da terceira idade, por exemplo, são grandes inimigos das árvores, estão sempre dizendo que a árvore solta folhas na calçada, que deixa a rua escura, que arrebenta o passeio. 
ISTOÉ - Manaus ficou em último lugar no levantamento sobre arborização nas metrópoles brasileiras [leia quadro acima]. Não é uma contradição, considerando-se que esta é a capital mais próxima da floresta amazônica?
Cardim - Já estive em Manaus. É uma cidade que não tem nem saneamento básico adequado, que dirá arborização. O que tem de árvores são exemplares antigos e não foi feito um novo plantio. E pode-se notar que é uma arborização muito mal-feita.
Uma cidade que vejo bem arborizada é o Rio de Janeiro. Lá há ruas que são verdadeiros corredores verdes. Mas em âmbito nacional, ainda não há um espaço para se pensar essa questão das árvores nas cidades. 
ISTOÉ - Quais são seus projetos atuais?
Cardim - Ultimamente tenho trabalhado no resgate da mata nativa de São Paulo, além de divulgar essa questão através do blog. Eu faço um trabalho de reprodução dessas plantas, estou recriando um trecho de cerrado paulistano original. E assim também estudo as plantas que poderão ser usadas no paisagismo da cidade.
Outra ferramenta com a qual tenho trabalhado são os telhados verdes, jardins nas coberturas dos edifícios nas casas. É uma tecnologia super usada em outros países e torna a cidade mais verde. Se formos pensar, sobrou muito pouco espaço para o verde nas cidades, e a solução é levar isso para cima dos prédios. Atualmente tenho uma empresa que faz consultoria nessa área, e criamos telhados verdes com espécies da mata atlântica e do cerrado.

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