segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

REFORMA RELIGIOSA

O que foi a Reforma Religiosa?

          Um dos grandes legados da Era Moderna.
          Se houve o surgimento de uma nova Cultura - o Renascimento — e de uma nova Economia - engendrada pela Expansão Ultramarina e o desenvolvimento do Comércio -, houve também outro processo que desempenhou papel da maior importância: a centralização política e o desmoronamento do Modelo Feudal, que fez dos Monarcas figuras cada vez mais poderosas.
          Os Estados Nacionais se formaram e se fortaleceram. Os embates políticos internos ganharam nova dimensão e as guerras se tornavam enfrentamentos de Nações. O mapa da Europa assumia uma nova configuração e isso alterava o Mapa do Mundo. Com a gigantesca exploração da América, transferiu-se para a Europa um volume simplesmente incalculável de riquezas que, posteriormente, dariam base e contribuiriam para promover a Revolução Industrial. E no final do Século XVIII, na Inglaterra, surgiria o Capitalismo. Tudo isso nós já estudamos até aqui.
          Mas a Idade Moderna também foi palco do aparecimento de uma nova Religião: o Protestantismo.
          As criações artísticas e intelectuais do Renascimento foram produzidas por pessoas culturalmente preparadas, e dado seu caráter inovador não atingiu todas as camadas sociais, como era esperado. Já a Reforma, ao contrário: propagou-se rapidamente por toda a Europa e mobilizou a Sociedade, provocando desde rebeliões camponesas até guerras prolongadas entre Estados, passando por massacres e perseguições, como não podia deixar de ser. Quem está roendo o osso não está a fim de largá-lo de jeito nenhum?
          Claro! O Catolicismo não se entregaria facilmente. Desde o Século XIV, assolada pelas calamidades públicas já explicadas (fome, peste, guerras), a Europa presenciou uma lenta transformação no modo de vivenciar a Religião. Tendo passado pela traumática experiência de conviver com a morte diariamente, a preocupação com a salvação da alma assumiu uma importância enorme na vida das pessoas. Claro que nada acontece da noite para o dia; são precisos anos, gerações, para que largos passos sejam dados. Especialmente se esses passos não são incentivados pelos grupos dominantes.
          O Protestantismo surgiu em decorrência da Reforma. Foi um Movimento Cismático dentro da Igreja Católica que questionou a supremacia Eclesiástica do Papa, e que por fim propiciou a instauração das Igrejas Protestantes. O movimento surgiu no Século XVI, quando Martinho Lutero desafiou o Papa.
          Como tudo começou???
          A Igreja Católica encontrava-se despreparada para atender às novas necessidades espirituais dos fiéis, que buscavam explicações e tinham muito medo da Vingança Divina. A Igreja, ao invés de exibir um modelo diferente, reproduzia as mesmas desigualdades sociais: existia o Alto Clero (Papas, Cardeais, Arcebispos, Bispos e Abades), cujos representantes vinham quase que exclusivamente da Nobreza; e o Baixo Clero (Padres Paroquiais, principalmente), constituída por indivíduos das camadas inferiores da Sociedade.
          O problema, entretanto, veio do topo da hierarquia Eclesiástica. Os Papas Alexandre VI (1492 - 1503), Júlio II (1503 - 1513) e Leão X (1513 - 1521), se destacaram como grandes mecenas no Renascimento, e são invariavelmente mencionados pelos Historiadores como religiosos negligentes em seus cargos e mais interessados nos afazeres do mundo profano.
          Os Bispos não davam exemplo melhor. Escolhidos entre as famílias nobres e por acordos entre Reis e Papas, a nomeação era muitas vezes simples pagamento por trocas de favores. Interessados apenas em seus salários, os Bispos nem sequer residiam na Diocese e muito menos davam a devida orientação aos Padres, cujas paróquias estavam lotadas de pessoas famintas por alimento espiritual, por qualquer coisa que as livrasse do medo da morte, do Diabo, do Inferno... e até da vida!
          Os Padres, por sua vez, muitas vezes eram escolhidos entre os próprios fiéis de um determinado local, sendo geralmente incultos, algumas vezes até analfabetos, que assumiam o cargo sem nenhuma espécie de preparo. Entendiam tanto quanto seus fiéis acerca da liturgia que pregavam. E para finalizar... as missas eram rezadas em Latim, uma língua que ninguém mais entendia!!!
          É natural que as pessoas fossem procurar formas alternativas de religiosidade! A mentalidade progressivamente mais aberta do homem da Idade Moderna não conseguia engolir toda aquela ladainha por mais tempo. Já não era nada recente!
          Os primeiros albores da Reforma vinham de tempos, já. Para dizer a verdade, desde o Século X, Papas, Reis e Imperadores envolveram-se numa disputa de poder. Este conflito criou antagonismos entre Roma e o Sacro Império Romano-Germânico, potencializados durante os Séculos XIV e XV.
          O descontentamento provocado pelos impostos Papais e pela constante submissão a dignitários eclesiásticos estendeu-se a outras áreas da Europa. No Século XIII, o Papado foi criticado pelos precursores da Reforma por causa da cobiça, imoralidade e arrogância de vários de seus membros.
          John Wycliffe (1325 — 1384), inglês, traduziu para sua língua a Vulgata de Jerônimo. Este Jerônimo foi um Monge educado em Roma e muito conhecido por sua erudição Bíblica. Passou os últimos 34 anos de sua vida numa caverna próxima ao suposto lugar onde Jesus nasceu e uma das suas maiores contribuições, como membro da Igreja Ocidental, foi a tradução de toda a Bíblia para o Latim.
          Essa tradução ficou conhecida como Vulgata, e foi feita dos originais Hebraicos, língua que Jerônimo dominava, e não a partir da Septuaginta, em Grego. Tendo tomado conhecimento real da Bíblia através dela mesma, e não como fruto do que se pregava pela Igreja Católica, empreendeu severas reformas na Igreja.
          John Huss (1372 - 1415) ensinou muitas das medidas reformadoras de Wycliffe, só que foi acusado de heresia e queimado vivo. Girolamo Savanarola (1452 - 1498) pregou contra a riqueza e o luxo do Clero; foi martirizado em 1498. Outros ensaiaram uma tentativa real de mudança. Mas ficou só no ensaio. Entretanto, já mostrava uma insatisfação meio escondida.
          O próximo grande e real período de atividade teológica no Ocidente foi na época em que o clamor por reformas na Igreja chegou ao seu ápice. O Humanismo e a invenção da Imprensa derrubaram o escolasticismo como Filosofia principal da Europa Ocidental, privando os Líderes da Igreja do monopólio sobre a Cultura. Isto gerou as condições para que Martinho Lutero e Calvino instituíssem de fato a Reforma.
          Martinho Lutero (1483 - 1546) não era um Humanista (Homem de Letras), mas sim um Monge Agostiniano que desviou-se da carreira jurídica para a qual se preparava. Temendo não ser merecedor da Salvação, optou pela vida religiosa, fez penitências e chegou a Professor de Teologia na Universidade de Wittenberg, Capital da Saxônia (Alemanha). Mesmo assim, sua inquietação persistiu até que, com base nas Epístolas de Paulo, uma luz se acendeu e ele conseguiu formular uma Teologia de Salvação da Alma que finalmente o aliviasse de seus terrores (o medo do Inferno).
          Com a nova idéia, embasada na Bíblia, Lutero atacou o próprio cerne da Igreja Medieval, sua Doutrina, que afirmava que a Salvação era obtida como conseqüência das obras, isto é, das "boas obras orientadas pelas Instituições Eclesiásticas". Nisso, a Igreja e o Corpo Clerical eram indispensáveis à salvação dos fiéis que, como leigos, não sabiam o que fazer para salvar a própria alma.
          Neste espaço limitado, não é possível conceder a Lutero aquilo que lhe é devido; afirma-se que mais livros foram escritos sobre sua pessoa do que qualquer outro personagem da Cristandade, exceto o próprio Cristo.
          Lutero foi capaz de ler as Escrituras e entender o que elas realmente estavam dizendo sobre a Salvação. Ele passou a crer na salvação "somente pela graça" e "somente pela fé", e que a única Autoridade em qualquer assunto de fé era "somente a Bíblia".
          Lutero defendeu a Salvação pela fé, em virtude de estar o Homem para sempre condenado por causa do pecado original. Digamos que ele estudou e compreendeu muito bem o cerne do Novo Testamento, seu encaixe com o AT, e passou a valorizar a vida interior do Cristão, e não suas obras exteriores.
          Enquanto tudo permaneceu apenas uma convicção pessoal do Monge, isso não representava nenhum perigo para a Igreja. A coisa "pegou" quando ele a tornou pública, o que ocorreu em decorrência da venda de indulgências na Alemanha. Comprar Indulgências, como atacou ele, faria com que se perdesse a Salvação, ao passo que se delas se esquecesse, "confiando somente em Cristo", elas seriam totalmente desnecessárias.
          A indulgência era um perdão "antecipado" pelos pecados, obtido mediante pagamento de valor estipulado pela Igreja. Elas vinham instituídas desde a época das Cruzadas, quando os Papas concediam o perdão em troca da participação dos senhores nas expedições, dispensando-os das penas do Purgatório.
          Do ponto de vista Católico sobre a Salvação, nada havia de errado com a venda de indulgências, consideradas apenas uma obra (Salvação pelas obras). Mas Lutero considerava absolutamente essencial a manutenção da consciência do pecado, coisa que o comércio de indulgências não proporcionava. Portanto, ele resolveu manifestar-se!
          Depois de traduzir a Bíblia para o alemão, usando o texto grego de  Erasmo, em 1516, a Reforma Protestante, propriamente dita, se originou em 1517, na Alemanha, quando Lutero publicou suas 95 Teses, documento que atacava as Indulgências e a autoridade Papal. Recomendando que a Religião se mantivesse fiel à fé individual baseada nas normas da Bíblia, essas declarações foram parar na mão do Papa e suas Teses foram condenadas. Lutero corria o risco de ser penalizado como já tinha sido John Huss. A sorte de Lutero foi o Duque da Saxônia sair em sua defesa, tornando-se seu protetor. Mesmo assim, Lutero foi excomungado em 1521.
          Mas a Igreja não conseguiu acabar com o problema, pois não tinha ainda percebido que as Teses de Lutero eram expressões de um movimento de interiorização da religiosidade que a Europa Ocidental estava vivendo. Isso quer dizer que Lutero teria seguidores. E foi o que aconteceu.
          O Luteranismo recebeu adesão de todas as camadas sociais, o que deu origem ao grande movimento das massas que ficou conhecido como Reforma Protestante. Foi o barco que apareceu para salvar os que literalmente se afogavam no mar de exigências e pesadíssimo jugo que impunha a Igreja Católica.
          Cada grupo tinha o seu motivo. Por exemplo, os camponeses humildes foram impulsionados por sua revolta contra a condição miserável em que viviam e fizeram do Luteranismo uma Bandeira Social, embora isso fosse do desagrado de Lutero. Para maior infelicidade da Igreja, as Teses Luteranas deram aos príncipes alemães o motivo que precisavam para romper com a Igreja e voltar a apropriar-se de seus bens - principalmente terras.
          Em duas palavras: o Luteranismo foi um sucesso! Difundiu-se rapidamente por toda a Alemanha. Todas as tentativas da Igreja no sentido de refrear o Movimento fracassaram. Dá pra imaginar a confusão indescritível, hein?! E a coragem deste homem, de enfrentar o poderio da Igreja Romana? Digno de admiração, só para dizer o mínimo! Lutero foi um Herói da Fé que, com ousadia, ajudou na implantação de uma nova Igreja, livre dos abusos e submissa a Cristo.
          O movimento Reformista espalhou-se e Lutero foi recebido como Líder revolucionário, já que a Alemanha também estava dividida por motivos econômicos.
          Tão grande era sua convicção na nova Doutrina que, em 1521, na presença do Imperador Carlos V e de vários Líderes da Igreja, ao ser questionado se era capaz de renunciar aos seus ensinamentos, Lutero replicou:
              "A não ser que seja convencido pelo Testemunho das Escrituras ou por   algum outro argumento convincente...(...). A minha convicção vem  das Escrituras e minha consciência está presa à Palavra de Deus".

          Ou seja, negou-se a qualquer retratação. Foi nesse momento que se deu a excomunhão; porém Lutero queimou, em público, o decreto Papal de excomunhão.
          Carlos V (1500-1568) era, ao mesmo tempo, Rei da Espanha e Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e, como tal, autoridade máxima sobre a Alemanha. Em 1529, novamente fracassou em tentar levar os luteranos de volta para dentro da Igreja Católica; por fim, quis obrigá-los pela força. Os príncipes alemães protestaram, vindo desse episódio o nome de "Protestantes", dados aos seguidores de Lutero. A unidade Cristã na Alemanha estava rompida de maneira irreversível!
          Outro grande reformador do Século XVI foi o Pastor Suíço Ulrico Zwínglio (1484 - 1531), que, como Lutero, considerava a Bíblia a única fonte de autoridade moral.
          O Reformador na França foi João Calvino (1509 - 1564). Calvino, Teólogo Protestante francês, fugiu para Genebra e, lá, liderou a instauração de uma variação do Protestantismo que, em sua homenagem, recebeu o nome de Calvinismo.
          Ainda na França, a contribuição para a Reforma também veio do Humanista e Teólogo Jacques D'Étaples Lefèvre, morto em 1537, que constituiu o "Cenáculo de Meaux".
          Na Escócia, a Reforma foi liderada por John Knox (1505 - 1572), que implantou o Calvinismo como Religião Oficial. Já era uma divisão dentro do Protestantismo... o Calvinismo tinha como principal diferença a doutrina da predestinação, segundo a qual nada se podia fazer para modificar a vontade divina em relação ao destino de cada ser humano. Teoricamente, isso conduziria os fiéis à passividade, visto que, estando ou não entre os eleitos de Deus, nada podiam fazer a esse respeito.
          Em 1559, as Igrejas Protestantes reuniram-se em um Sínodo Nacional, em Paris, onde redigiram uma Confissão de Fé e uma regra disciplinária. Assim se organizou a primeira Igreja Nacional Protestante da França e seus membros foram chamados de Huguenotes. Mas bem nos lembramos do que aconteceu aos Huguenotes...
          Além de Alemanha, Suíça, Escócia e França, mais um foco da Reforma aconteceu na Inglaterra, e teve como particularidade o fato de ser liderada pelo próprio Rei. Na verdade, surgiu como uma combinação de influências, os ensinamentos de Lutero e as intrigas políticas do Rei Henrique VIII.
          Apesar de ser contra a Reforma Luterana, Henrique VIII brigou com o Papa e separou-se de Roma com o decreto "Ato de Supremacia" (1534) após não conseguir a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, que não lhe havia dado um filho, mas uma filha, a futura Rainha Maria Tudor.
          Excomungado após essa histórica decisão de romper com Roma, em 1534, já casado com Ana Bolena, obteve permissão do Parlamento para aprovar uma ata que o nomeava, e a seus sucessores, chefes supremos da Igreja na Inglaterra.
          Estabeleceu-se, assim, a Igreja Anglicana.
          Com Ana Bolena, Henrique VIII teve outra filha, a Rainha Elizabeth I, sucessora de Maria Tudor. As terras dos Mosteiros foram desapropriadas e mais tarde vendidas a particulares, o que provocou intensa revolução econômica no campo.
          Mas a Igreja Anglicana foi, no tempo de Henrique VIII, uma versão Nacional Inglesa da Igreja Católica... em 1539, o Rei obrigou o Parlamento a aceitar a Ata dos Seis Artigos que tornava herética a desobediência aos principais dogmas do Catolicismo. Em contrapartida, a obediência ao Papado continuou sendo um delito.
          A estrutura Eclesiástica se manteve, à exceção do Papado, cuja autoridade foi passada para o Rei. A forma definitiva foi dada pela Rainha Elizabeth I, que adotou o Calvinismo, porém manteve a estrutura Episcopal e parte da Liturgia Católica.
          Em resumo, enquanto o centro teológico de Lutero era a encarnação de Cristo e a Teologia da Cruz, o foco principal de Calvino estava na Glória e Soberania de Deus. Enquanto o primeiro enfatizava que a Igreja deveria operar de maneira independente do Estado, o segundo, pelo menos a princípio, argumentava que a Igreja, mesmo separada do Estado, poderia ter seus assuntos tratados por autoridades civis, as quais deveriam ser Cristãs.
          Lutero argumentava que a vontade humana está presa pelo pecado, bem ao modo Paulino/Agostiniano, e que Deus elegeu sua Igreja pela graça. Já Calvino, embora concordasse com Lutero, ia além em seus argumentos, pois Deus não somente predestinou os que são chamados para a salvação, mas também os que estão predestinados para a perdição.

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