Segunda Parte
A Carne
1. A
carne e a salvação
A palavra «carne» é basar
em hebreu e sarx em grego. É usada com freqüência na Bíblia e de diversas
maneiras. O sentido mais significativo, observado e esclarecido nos escritos do
Paulo, faz referência à pessoa não regenerada. Falando de seu velho «eu» diz em
Romanos 7: «sou carnal» (v.14). Não simplesmente é carnal sua natureza ou uma
determinada parte de seu ser. O «eu» — todo o ser de Paulo — é carnal. Reforça
este pensamento no versículo 18 ao afirmar: «dentro de mim, quer dizer, em minha
carne». Se deduz claramente que «carne» na Bíblia assinala a tudo o que é uma
pessoa não regenerada. Em relação a este uso de «carne» temos que recordar que
no princípio o homem foi feito espírito, alma e corpo. Como é a sede da
personalidade e da consciência do homem, a alma está relacionada com o mundo
espiritual por meio do espírito do homem. A alma deve decidir se tem que
obedecer ao espírito, e por conseguinte estar unido a Deus e à sua vontade, ou
se tem que ceder diante do corpo e de todas as tentações do mundo material. Na
queda do homem, a alma se opôs à autoridade do espírito e ficou escravizada ao
corpo e suas paixões. Deste modo o homem se converteu em um homem carnal, não
em um homem espiritual. O espírito do homem foi despojado de sua nobre posição
e foi rebaixado à de um prisioneiro.
Posto que agora a alma está
sob o poder da carne, a Bíblia considera que o homem é carnal. Tudo o que é
anímico se tornou carnal.
Além de usar «carne» para
designar a tudo o que é uma pessoa não regenerada, às vezes também se usa para
denotar a parte branda do corpo humano como distinta do sangue e dos ossos.
Também pode ser usada para referir-se ao corpo humano. Pode ser usada em outras
ocasiões significando a totalidade da humanidade. Estes quatro significados
estão estreitamente relacionados.
Assim, deveríamos destacar
brevemente estas três outras maneiras de usar «carne» na Bíblia.
Primeira, «carne»
referindo-se à parte branda do corpo humano. Sabemos que um corpo humano é
composto de carne, ossos e sangue. A carne é a parte do corpo por meio da qual
percebemos o mundo que nos rodeia. Por conseguinte uma pessoa carnal é uma que
segue ao mundo. Vai ter simplesmente carne, vai atrás da sensação de sua carne.
Segunda, «carne» referindo-se
ao corpo humano. Em termos muito amplos significa o corpo humano tanto vivo
como morto. Segundo a última parte de Romanos 7, o pecado da carne está relacionado
com o corpo humano: «vejo em meus membros outra lei em guerra com a lei de
minha mente que faz-me cativo da lei do pecado que vive em meus membros» (v.
23). Em seguida, o apóstolo continua no capítulo 8 explicando que se queremos
vencer a carne devemos «dar morte às ações do corpo» por meio do Espírito (v.
13). Por isso a Bíblia usa a palavra sarx para indicar não só a carne psíquica
mas também a carne física.
Terceira, «carne»
referindo-se à totalidade da humanidade. Todos os homens deste mundo são nascidos
da carne, e em conseqüência todos são carnais. Sem nenhuma exceção, a Bíblia
considera todos os homens carne. Todo homem é controlado pela composição da
alma e do corpo que chamamos carne, e vai atrás dos pecados de seu corpo e do
eu de sua alma. Por isso sempre que a Bíblia fala de todos os homens, sua frase
característica é «toda carne». Em conseqüência, basar ou sarx se referem
aos seres humanos em sua totalidade.
Como o homem se torna carne?
«O que nasce da carne é
carne.» Assim o afirmou Jesus a Nicodemos faz muito tempo (Jo. 3:6).
Há três perguntas que ficam
respondidas com esta concisa afirmação:
1) o que é a carne;
2) como o homem se torna
carne; e
3) qual é sua categoria ou
natureza.
1) O que é a carne?
«O que nasce da carne é
carne.» O que nasce da carne? O homem. Por conseguinte o homem é carne, e tudo
o que o homem herda de seus pais pertence à carne.
Não se faz distinção de se o
homem for mau, ímpio, estúpido, inútil e cruel. O homem é carne. Todo o que o
homem tem ao nascer pertence à carne e
se encontra dentro desse mundo. Tudo aquilo com que nascemos e o que
desenvolvemos posteriormente fica incluído na carne.
2) Como o homem se torna carne?
«Todo o que nasce da carne é
carne.» O homem não se torna carnal aprendendo a ser mau com uma prática
progressiva do pecado, nem entregando-se a atos licenciosos, ávido de seguir o
desejo de seu corpo e de sua mente até que finalmente todo ele é vencido e
controlado pelas más paixões de seu corpo. O Senhor Jesus afirmou com ênfase que
uma pessoa é carnal assim que nasce. Isto não é determinado nem por sua conduta
nem por seu caráter. Há uma coisa que é decisiva neste ponto: de quem nasceu?
Todo homem deste mundo foi engendrado de pais humanos e por conseguinte Deus o
considera que é da carne (Gn. 6:3). Como pode alguém que nasce da carne não ser
carne? Segundo a palavra de nosso Senhor, um homem é carne porque nasce do sangue,
da vontade da carne e da vontade do homem (Jo. 1:13) e não pela maneira que
viva ele ou seus pais.
3) Qual é a natureza da carne?
«O que nasce da carne é
carne.» Não existe nenhuma exceção nem distinção. Nem a educação, nem as
melhoras, nem a cultura, nem a moralidade ou a religião podem fazer que o homem
deixe de ser carnal. Nenhuma ação ou poder humano pode modificá-lo. Se não for regenerado
da carne, permanecerá como carne. Nenhum sistema humano pode fazer que deixe de
ser o que era ao nascer. O Senhor Jesus disse «é», pelo que esse assunto ficou
decidido para sempre. A carnalidade de um homem não vai ser determinada por ele
mesmo, mas sim por seu nascimento. Se nascer da carne, todos os planos para sua
transformação serão infrutíferos. Não importa como mude externamente; seja
através de uma mudança diária ou de mudanças bruscas, o homem continua sendo
carne tão firmemente como sempre.
O homem não regenerado
O Senhor Jesus afirmou que
qualquer pessoa não regenerada que só tenha nascido uma vez (ou seja, nascida
só de homem) é carne e por conseguinte vive no mundo da carne. Quando não éramos
ainda regenerados, vivíamos «nas paixões de nossa carne, seguindo os desejos do
corpo e da mente, e fomos por natureza filhos da ira, como o resto da
humanidade», porque «não são os filhos da carne que são filhos de Deus» (Ef.
2:3; Rm. 9:8). Um homem cuja alma pode ceder às paixões do corpo e cometer
muitos pecados indescritíveis pode estar tão morto para Deus (Ef.2:1) — «mortos
nos vossos delitos e na incircuncisão da vossa carne» (Cl. 2:13) — que pode não
ter consciência de sua pecaminosidade. Ao contrário, pode inclusive estar
orgulhoso, considerando-se melhor que outros. Falando francamente, «enquanto
vivíamos na carne, nossas paixões pecaminosas, despertadas pela lei,
trabalhavam em nossos membros para gerar fruto para morte» pela simples razão
de que fomos «carnais, ligados ao pecado». Por isso com nossa carne «servíamos
à lei do pecado» (Rm. 7:5,14, 25).
Embora a carne seja
extremamente forte pecando e seguindo o desejo egoísta, é extremamente fraca em
relação à vontade de Deus. O homem não regenerado é incapaz de cumprir a
vontade de Deus, sendo «debilitado pela carne». E a carne é «hostil a Deus; não
é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser» (Rm. 8:3, 7).
Entretanto, isto não quer
dizer que a carne é alheia por completo às coisas de Deus. Ocasionalmente os
carnais fazem todo o esforço possível para observar a lei. Além disso, a Bíblia
nunca fala dos carnais como sinônimos de infratores da lei. Simplesmente
determina que «pelas obras da lei nenhuma carne será justificada» (Gl. 2:16). É
obvio que para os carnais o não observar a lei não é nada insólito.
Simplesmente prova que são da carne. Mas agora que Deus decretou que o homem
não será justificado pelas obras da lei mas sim pela fé no Senhor Jesus (Rm.
3:28), os que tentam seguir a lei só revelam sua desobediência a Deus,
procurando estabelecer sua própria justiça em lugar da justiça de Deus (Rm.
10:3). Além disso, isto revela que pertencem à carne. Para resumir, «os que
estão na carne não podem agradar a Deus» (Rm. 8:8), e este «não podem» sela o
destino dos carnais.
Deus considera a carne
totalmente corrompida. Está tão estreitamente ligada com as paixões, que a
Bíblia freqüentemente se refere às paixões da carne» (2:18). Embora Seu poder
seja grande, mesmo assim Deus não pode transformar a natureza da carne em algo
que lhe agrade. O próprio Deus afirma: «Meu Espírito não permanecerá para
sempre no homem, porquanto ele é carne» (Gn. 6:3).
A corrupção da carne é tal
que inclusive o Espírito Santo de Deus não pode, por muito que lute contra a
carne, conseguir que deixe de ser carnal. O que nasce da carne é carne.
Desgraçadamente, o homem não compreende a Palavra de Deus e por isso tenta
continuamente melhorar e reformar sua carne. Entretanto, a Palavra de Deus
permanece para sempre. Por causa da tremenda corrupção da carne, Deus adverte
seus santos que odeiem «inclusive a túnica manchada pela carne» (Jd. 23).
Como Deus sabe avaliar a
autêntica condição da carne, declara que é imutável. Qualquer pessoa que tenta
melhorá-la com atos de humilhação pessoal ou tratamento severo ao corpo
fracassará por completo. Deus reconhece a impossibilidade de que a carne seja
trocada ou melhorada. Por isso, ao salvar ao mundo não tenta modificar a carne
do homem. Em lugar disso dá ao homem uma vida nova para ajudá-lo a dar morte à
carne. A carne tem que morrer. Esta é a salvação.
A salvação de Deus
O apóstolo afirma que «Deus
tem feito o que a lei, debilitada pela carne, não podia fazer: enviando o seu
próprio Filho na semelhança da carne de pecado, e no concernente ao pecado,
condenou o pecado na carne» (Rm. 8:3). Isto revela a situação real da classe
moral de quão carnais sejam, possivelmente estão muito resolvidos a observar a
lei. É verdade que podem estar observando alguns de seus pontos. No entanto,
debilitados pela carne, não podem observar toda a lei.*
Porque a lei deixa muito claro que «o que fizer estas coisas, por elas viverá»
(Gl. 3:12 mencionando Lv. 18:5) ou senão será condenado à perdição.
Alguém pode perguntar: Quanto
da lei, tem que se observar? Toda a lei, porque «o que observa toda a lei, mas
falha em um ponto, faz-se culpado de toda» (Tg. 2:10). «Porque nenhum ser
humano será justificado a seus olhos pelas obras da lei, posto que da lei vem o
conhecimento do pecado» (Rm. 3:20). quanto mais se deseja observar a lei, mais
se descobre quão pecador é e quão impossível é observá-la.
A reação de Deus à
pecaminosidade de todos os homens é ocupar-se Ele mesmo da tarefa da salvação.
Seu método é «enviar a seu próprio Filho à semelhança da carne pecaminosa». Seu
Filho é sem pecado, por isso é o único qualificado para nos salvar. A
expressão: «À semelhança da carne pecaminosa» descreve sua encarnação: como
toma um corpo humano e se une com a humanidade. O único Filho de Deus é
mencionado em outro ponto como «o Verbo» que «se fez carne» (Jo. 1:14). Sua
vinda à semelhança da carne pecaminosa é o «se fez carne» desse versículo. Por
isso nosso versículo em Romanos 8:3 nos explica também de que maneira a Palavra
se fez carne. A ênfase, aqui, é que Ele é o Filho de Deus, e portanto é sem
pecado. Inclusive quando vem na carne, o Filho de Deus não se faz «carne
pecaminosa». Só vem à semelhança da carne pecaminosa». Enquanto viveu na carne,
permaneceu como Filho de Deus e sem pecado. Entretanto, como possui a
semelhança da carne pecaminosa, está estreitamente unido aos pecadores do mundo
que vivem na carne.
Então qual é o propósito de
sua encarnação? A explicação que nos dá a Bíblia é «o sacrifício pelos pecados»
(At. 10:12), e esta é a obra da cruz. O Filho de Deus tem que expiar nossos pecados.
Todos os carnais pecam contra a lei, não podem estabelecer a justiça de Deus e
estão condenados à perdição e ao castigo. Mas o Senhor Jesus, ao vir ao mundo, toma
esta semelhança da carne pecaminosa e se une tão completamente aos carnais, que
estes são castigados por seu pecado na morte de Cristo na cruz. Ele não tem que
sofrer, porque é sem pecado, mas sofre porque tem a semelhança da carne
pecaminosa. Na posição de uma nova cabeça corporativa, o Senhor Jesus inclui a
todos os pecadores em seu sofrimento. Isto explica o castigo pelo pecado.
Como sacrifício pelo pecado,
Cristo sofre por todos os que estão na carne. Mas e o poder do pecado que enche
os carnais? «Condenou ao pecado na carne.» O, que é sem pecado, é feito pecado
por nós para que morra pelo pecado. Ele é «morto na carne» (1 Pe. 3:18). Ao
morrer na carne leva à cruz o pecado na carne. Isto é o que quer dizer a frase
«condenou o pecado na carne». Condenar é julgar ou impor um castigo. O
julgamento e o castigo do pecado é a morte. Por isso o Senhor Jesus dá morte ao
pecado em sua carne. Por conseguinte, podemos ver em sua morte que não só são
julgados nossos pecados mas também inclusive é julgado o próprio pecado. Assim,
o pecado já não tem nenhum poder sobre
os que se uniram à morte do Senhor e em conseqüência têm o pecado condenado em
sua carne.
A regeneração
A libertação do castigo e do
poder do pecado, que Deus dá, se realiza na cruz de seu Filho. Agora põe esta
salvação diante de todos os homens para que todo o que queira aceitá-la seja salvo.
Deus sabe que no homem não há
nada bom. Nenhuma carne pode lhe agradar. Está corrompida sem possibilidade de
reparação. Posto que é tão irremediável, como pode o homem agradar a Deus depois
de ter acreditado, se Ele mesmo não lhe dá algo novo? Graças a Deus que
outorgou uma vida nova, sua vida não criada, aos que acreditam na salvação do
Senhor Jesus e O recebem como seu Salvador pessoal. Isto se chama «regeneração»
ou «novo nascimento». Embora Deus não possa modificar nossa carne, nos dá sua vida.
A carne do homem permanece tão corrupta nos que nasceram de novo como nos
outros. A carne de um santo é tal e qual a de um pecador. Na regeneração, a
carne não se transforma. O novo nascimento não exerce nenhuma influência sobre
a carne. Permanece tal como é.
Deus não nos transmite sua
vida para educar ou adestrar à carne. Ao contrário, a dá a nós para vencer a
carne.
Na regeneração o homem passa
a estar vinculado a Deus pelo novo nascimento. A regeneração significa nascer
de Deus. De maneira que, nossa vida carnal nasce de nossos pais, nossa vida
espiritual nasce de Deus. O significado do nascimento é «transmitir vida».
Quando dizemos que nascemos de Deus, significa que recebemos uma nova vida dEle.
O que recebemos é uma vida autêntica.
Vimos anteriormente de que
maneira nós, seres humanos, somos carnais. Nosso espírito está morto e nossa
alma dirige totalmente todo o ser. Andamos segundo as paixões do corpo. Não há nada
bom em nós. Ao vir nos libertar, Deus deve primeiro restaurar a posição do espírito
para que possamos tornar a ter comunhão com Ele. Isto acontece quando cremos no
Senhor Jesus. Deus põe sua vida em nosso espírito, e deste modo o ressuscita da
morte. Agora o Senhor Jesus afirma que «o que nasce do Espírito é espírito»
(Jo. 3:6). Nesse momento a vida de Deus, que é o Espírito, entra em nosso
espírito humano e o restaura à sua posição original.
O Espírito Santo se instala
no espírito humano e desta maneira o homem é transferido ao mundo espiritual.
Nosso espírito é avivado e torna a prevalecer. O «espírito novo» mencionado em
Ezequiel 36:26 é a vida nova que recebemos na regeneração.
O homem não é regenerado por
fazer algo especial, mas sim por acreditar no Senhor Jesus como seu Salvador:
«a todos os que O receberam, aos que acreditaram em Seu nome, deu-lhes poder de
serem feitos filhos de Deus; os que nasceram não de sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus» (Jo. 1:12, 13). Os que
acreditam no Senhor Jesus Cristo como seu Salvador, nascem de Deus e como
conseqüência são filhos dele.
A regeneração é um mínimo na
vida espiritual. É a base sobre a qual posteriormente se edificará.
Ninguém pode falar de vida
espiritual nem esperar crescer espiritualmente se não for regenerado, posto que
não tem vida em seu espírito. Da mesma maneira que ninguém pode construir um
castelo no ar, tampouco podemos edificar os que não estão regenerados. Se
tentarmos ensinar a um não regenerado a fazer o bem e adorar a Deus, estaremos
ensinando a um morto. Ao tentar reformar a carne, estamos tentando fazer o que
Deus não pode fazer. É vital que cada crente saiba sem dúvidas que já foi
regenerado e que recebeu uma vida nova. Deve ver claramente que o novo
nascimento não é tentar pôr remendos à velha carne ou transformá-la em vida espiritual.
Ao contrário, é receber uma vida que nunca teve antes. Quem não nasce de novo
não pode ver o reino de Deus. Não pode perceber os mistérios espirituais, nem
saborear a doçura celestial do reino de Deus. Seu destino só é o de esperar a
morte e o julgamento. Para ele não há nada mais.
Como uma pessoa pode
saber que foi regenerada? João nos diz
que o homem nasce de novo ao crer no nome do Filho de Deus e ao recebê-lo
(1:12). O Filho de Deus se chama «Jesus», que significa «salvará o povo de seus
pecados» (Mt. 1:21). Assim, crer no nome do Filho de Deus equivale a acreditar
nele como Salvador, acreditar que morreu na cruz por nossos pecados para nos
libertar do castigo e do poder do pecado. Acreditar nisso é recebê-lo como
Salvador. Se alguém deseja saber se está regenerado ou não, só tem que fazer
uma pergunta: fui à cruz como um pecador necessitado e recebi ao Senhor Jesus
como Salvador? Se responder afirmativamente, está regenerado. Todo o que crê no
Senhor Jesus nasce de novo.
O conflito entre o novo e o velho
É essencial a uma pessoa
regenerada que compreenda o que obteve com o novo nascimento e o que persiste
de seus dotes naturais. Esse conhecimento a ajudará em sua peregrinação
espiritual. Neste ponto pode ser útil explicar tudo o que é entendido da carne
do homem e também a maneira com que o Senhor Jesus trata com os componentes
dessa carne, em sua redenção. Em outras palavras, o que herda um crente na
regeneração?
Uma leitura de vários
versículos de Romanos 7 pode deixar claro que os componentes da carne são principalmente
«o pecado» e «o eu»: «o pecado que vive em mim..., quer dizer, em minha carne»
(vs. 14,17,18). O «pecado», aqui, é o poder do pecado, e o «minha» é o que
reconhecemos normalmente como «o eu». Se um crente quer compreender a vida
espiritual, não deve estar desorientado a respeito destes dois elementos da
carne.
Sabemos que o Senhor Jesus
tratou com o pecado de nossa carne em sua cruz. E a Palavra nos informa que
«nosso velho eu foi crucificado com Ele» (Rm. 6:6). Em nenhuma parte da Bíblia
nos diz que temos que ser crucificados, posto que isto Cristo já o sofreu de
uma maneira perfeita.
Em relação ao assunto do
pecado, ao homem não se exige que faça nada. Só tem que considerar isto como um
fato consumado (Rm. 6:11) e colherá a eficácia da morte de Jesus sendo totalmente
libertado do poder do pecado (Rm. 6:14).
A Bíblia jamais nos diz que
temos que ser crucificados pelo pecado, é verdade. Entretanto, nos exorta sim, que levemos a cruz para negar o eu. O Senhor
Jesus em muitas ocasiões nos manda que neguemos a nós mesmos e levemos a cruz e
O sigamos. A explicação disto é que a forma como o Senhor Jesus trata nossos
pecados e trata a nós mesmos é muito distinta Para conquistar o pecado por
completo o crente só necessita um instante. Para negar seu eu necessita toda a
vida. Jesus só levou nossos pecados na cruz, mas se negou a si mesmo durante
toda sua vida. Nós devemos fazer igual.
A carta de Paulo aos Gálatas
descreve a relação entre a carne e o crente. Por um lado nos diz que «os que
pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e desejos» (5:24).
No mesmo dia em que uma pessoa se identifica com o Senhor Jesus, sua carne
também é crucificada.
Agora bem, alguém poderia
pensar, sem a instrução do Espírito Santo, que sua carne já não existe, pois acaso
não foi crucificada? Mas, por outro lado, a carta nos diz «andem no Espírito e
não satisfaçam os desejos da carne. Porque os desejos da carne se opõem ao
Espírito, e os desejos do Espírito se opõem à carne» (5:16, 17). Aqui nos diz
claramente que o que pertence a Cristo Jesus e que já tem o Espírito Santo
vivendo nele, ainda tem a carne nele. E não é somente que a carne existe; também
nos diz que é singularmente poderosa.
O que podemos dizer? São
contraditórios estes dois textos bíblicos? Não. O versículo 24 põe ênfase no
pecado da carne, enquanto que o versículo 17 o põe no eu da carne. A cruz de Cristo
trata com o pecado, e o Espírito Santo trata com o eu por meio da cruz. Cristo
liberta por completo o crente do poder do pecado por meio da cruz, para que o
pecado não torne a reinar, mas Cristo, por meio do Espírito Santo que vive no
crente, capacita-o para vencer o eu dia após dia e para que obedeça a Ele por
completo. A libertação do pecado é um fato consumado. A negação do eu tem que ser
uma experiência diária.
Se um crente pudesse
compreender toda a transcendência da cruz ao nascer de novo, se livraria totalmente
do pecado e teria uma vida nova. É realmente lamentável que muitos obreiros
cristãos não apresentam essa salvação completa aos pecadores, e com isso, estes
só acreditam na metade da salvação de Deus. Isto os deixa nessa situação: seus
pecados estão perdoados, mas falta-lhes a força para deixar de pecar. Por outra
parte, mesmo nas ocasiões em que se lhes apresenta a salvação em sua
totalidade, os pecadores só desejam que seus pecados lhes sejam perdoados, porque não esperam sinceramente ser
libertados do poder do pecado.
Se uma pessoa crê e recebe
uma salvação plena desde o começo, terá menos fracassos lutando com o pecado e
mais êxito lutando com o eu. É raro encontrar esse tipo de crentes. A maioria só
têm a metade de sua salvação. Por isso a maioria de seus conflitos são com o
pecado. E alguns nem sequer sabem o que é o eu. Quanto a isto, a condição pessoal do crente até usa uma parte antes da regeneração.
Muitos tendem a fazer o bem inclusive antes de acreditar. É obvio que não possuem
o poder para fazer o bem nem tampouco podem ser bons. Mas sua consciência
parece estar relativamente iluminada, embora sua força para fazer o bem seja
débil. Têm o que se costuma chamar de conflito entre a razão e as paixões.
Quando se inteiram da salvação completa de Deus aceitam ofegantes a graça para
a libertação do pecado no mesmo momento em que recebem a graça para o perdão do
pecado.
Outros, entretanto, antes de
acreditar, têm a consciência negra, pecam terrivelmente e jamais tentam fazer o
bem. Ao conhecer a salvação completa de Deus se agarram à graça do perdão e
descuidam (não rejeitam) a graça para a libertação do pecado. No futuro enfrentarão
muitas lutas com o pecado da carne.
E por que será assim? Porque
um homem assim nascido de novo possui uma vida nova que lhe exige que vença o
domínio da carne e obedeça a ela em seu lugar. A vida de Deus é absoluta. Tem
que obter o domínio total sobre o homem. Assim que esta vida entra no espírito
humano exige do homem que abandone a seu antigo amo, o pecado, e se submeta por
completo ao Espírito Santo. Mesmo assim, o pecado está muito enraizado neste
homem em particular. Embora sua vontade seja renovada em parte através da vida
regenerada, ainda está apegado ao pecado e ao eu. Em muitas ocasiões se inclina
ao pecado.
Inevitavelmente surgirá um
grande conflito entre a vida nova e a carne. Posto que são muitíssimas as pessoas
que se encontram nesta situação, lhes prestaremos uma atenção especial.
Entretanto, permitam que recorde a meus leitores quão desnecessário é ter lutas
e fracassos contínuos com o pecado (não com o eu, pois isto é diferente).
A carne exige soberania
absoluta, igualmente a vida espiritual. A carne deseja ter o homem sujeito para
sempre a ela mesma, enquanto que a vida espiritual quer ter o homem completamente
sujeito ao Espírito Santo. A carne e a vida espiritual diferem por completo. A natureza
da carne é a do primeiro Adão, enquanto que a natureza da vida espiritual
pertence ao último Adão. O mover da primeira é terrestre, mas o da segunda é
celestial. A carne centra todas as coisas no eu; a vida espiritual centra tudo
em Cristo. A carne deseja levar o homem ao pecado, mas a vida espiritual deseja
levá-lo à justiça. Posto que estas duas são tão essencialmente opostas, como
uma pessoa pode evitar se chocar continuamente com a carne?
O crente estará em constante
luta se não compreender toda a salvação de Cristo.
Quando os crentes jovens
entram nestes conflitos ficam estupefatos. Alguns se desesperam em querer
crescer espiritualmente, pensando que são muito maus. Outros começam a duvidar
de que estejam realmente regenerados, sem ver que a própria regeneração suporta
esta confrontação. Antes, quando a carne governava sem interferências (porque o
espírito estava morto), podiam pecar terrivelmente sem ter nenhum sentimento de
culpa. Agora surgiu a nova vida, e com ela a natureza, o desejo, a luz e o
pensamento celestiais. Quando esta nova luz penetra no homem põe a descoberto
imediatamente a corrupção que há dentro. O novo crente não quer permanecer em
um estado semelhante e deseja seguir a vontade de Deus. A carne começa a lutar
com a vida espiritual. Esta batalha dá a impressão ao crente de que em seu
interior há duas pessoas. Cada uma tem sua própria idéia e força. Cada uma
busca a vitória. Quando domina a vida espiritual, o crente se sente muito
feliz, mas quando começa a dominar a carne, se entristece. As experiências
deste tipo confirmam que essas pessoas foram regeneradas.
O propósito de Deus não é,
nem será jamais, reformar a carne mas sim destruí-la. O eu na carne deve ser destruído
com a vida de Deus que o crente recebe na regeneração. Certamente, a vida que
Deus transmite ao homem é muito poderosa, mas a pessoa regenerada ainda é um
bebê recém-nascido e muito fraco. A carne teve as rédeas durante muito tempo e
seu poder é tremendo. Além disso, o regenerado ainda não aprendeu a receber por
fé a completa salvação de Deus. Embora esteja salvo, ainda está na carne
durante este período. Ser carnal significa estar sendo governado pela carne. O
mais lamentável é que um crente, iluminado pela luz celestial para conhecer a
maldade da carne e para desejar com todo o coração vencê-la, encontre-se muito
fraco para obtê-lo. É quando derrama muitas lágrimas de tristeza. Como não vai
estar zangado consigo mesmo se, embora abrigue um novo desejo de destruir o
pecado e agradar a Deus, sua vontade não é bastante firme para dominar o corpo
de pecado?
Poucas são as vitórias, e
muitas as derrotas.
Em Romanos 7 Paulo expressa a
angústia deste conflito:
«Pois o que faço, não o
entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a
lei, que é boa. Agora, porém, não sou
mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em
mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem
está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal
que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu,
mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, mesmo querendo
eu fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho
prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus
membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando
cativo à lei do pecado, que está nos meus membros.» (vs. 15-23).
Muitos se identificarão com
seu brado de quase total desespero:
«Miserável homem que sou! Quem
me libertará deste corpo de morte?» (v. 24).
Qual é o significado desta
confrontação? É uma das maneiras com que o Espírito Santo nos disciplina. Deus
proporcionou uma salvação total para o homem. Quem não sabe que a tem não poderá
desfrutar dela, nem tampouco poderá experimentá-la se não a desejar. Deus só
pode dar algo aos que acreditam, recebem e pedem. Por isso quando o homem pede
o perdão e a regeneração Deus o concede, sem dúvida. E Deus usará o conflito
para levar o crente a procurar e a conseguir o triunfo total em Cristo. O que
antes era ignorante agora desejará saber, e então o Espírito Santo terá uma
oportunidade de lhe revelar o que Cristo fez com seu velho homem na cruz para
que agora possa acreditar e possuir este triunfo. E o que não possuía porque
não procurava, descobrirá por meio desta luta que toda a verdade que ele tinha
só era mental e, por conseguinte, inútil. Isto lhe fará desejar experimentar a
verdade que só tinha conhecido mentalmente.
As lutas aumentam dia a dia.
Se os crentes se mantiverem fiéis sem se desesperar, passarão por conflitos
mais duros até o momento em que sejam libertados.
2. O
crente carnal
Como Paulo, todos os crentes
poderiam ser cheios com o Espírito Santo no momento de acreditar e no batismo
(comparar Atos 9:17, 18). Por desgraça, muitos ainda estão controlados pela
carne como se não tivessem morrido e ressuscitado. Estes não acreditaram de
verdade no fato consumado da morte e a ressurreição de Cristo por eles, nem
obraram sinceramente segundo a chamada do Espírito Santo a seguir o princípio
da morte e da ressurreição. Segundo a obra consumada de Cristo já morreram e
foram ressuscitados, e segundo sua responsabilidade como crentes deveriam
morrer ao eu e viver para Deus, mas na prática não o fazem. Estes crentes podem
ser considerados anormais. Sem dúvida, não devemos pensar que esta anormalidade
é exclusiva de nosso tempo. Faz muitíssimo tempo o apóstolo Paulo se encontrou
em uma situação semelhante entre crentes. Os cristãos de Corinto eram um
exemplo. Ouçam o que lhes disse:
«E eu, irmãos não vos pude
falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo.
Leite vos dei por alimento, e não comida sólida, porque não a podíeis suportar;
nem ainda agora podeis; porquanto ainda sois carnais; pois, havendo entre vós
inveja e contendas, não sois porventura carnais, e não estais andando segundo
os homens?» (1 Co. 3:1-3).
Aqui o apóstolo divide a
todos os cristãos em duas classes: os espirituais e os carnais. Os cristãos espirituais
não têm nada de extraordinário: são simplesmente normais. São os carnais os que
saem do normal, os que são anormais. Os de Corinto eram deveras cristãos, mas
eram carnais, não espirituais. Nesse capítulo Paulo afirma três vezes que eram
homens carnais. Pela sabedoria recebida do Espírito Santo, o apóstolo
compreendia que tinha que identificá-los antes de poder lhes oferecer a
mensagem que necessitavam.
A regeneração bíblica é um
nascimento pelo qual a parte mais íntima do ser do homem, o espírito,
profundamente oculto, é renovado e habitado pelo Espírito de Deus. Tem que
passar um tempo até que o poder desta nova
vida alcance o exterior: ou seja, até que se estenda do centro até a
circunferência. Por isso não podemos esperar encontrá-lo forte nos jovens nem a
experiência dos pais, manifestadas na vida de um bebê em Cristo. Embora um
crente recentemente nascido possa comportar-se fielmente, amando ao Senhor e
distinguindo-se com seu zelo, ainda necessita tempo para ter ocasião de saber
mais da maldade do pecado e do eu e para saber mais da vontade de Deus e dos
caminhos do Espírito. Por muito que possa amar ao Senhor ou amar à verdade,
este novo crente ainda anda no mundo dos sentimentos e dos pensamentos e ainda
não foi provado nem refinado com fogo.
Um cristão recém-nascido não
pode evitar ser carnal. Embora esteja cheio do Espírito Santo, mesmo assim não
conhece a carne. Como pode alguém ser libertado das obras da carne se não
reconhecer que essas obras nascem da carne? Por isso, considerando sua
autêntica condição, os cristãos que são crianças recém-nascidas são em geral da
carne.
A Bíblia não espera que os
novos cristãos sejam espirituais instantaneamente, mas se depois de muitos anos
continuam sendo crianças, então sua situação é verdadeiramente muito
lamentável. Paulo mesmo diz aos coríntios que, no princípio, os tinha tratado
como homens da carne porque eram meninos recém-nascidos em Cristo e que agora —
quando lhes escrevia — deveriam ser já adultos. Em vez disso, tinham esbanjado
suas vidas, continuavam sendo meninos e por isso ainda eram carnais.
Para ser transformado de
carnal a espiritual não é necessário tanto tempo como pensamos atualmente. Os
crentes de Corinto procediam de um ambiente pagão categoricamente pecaminoso.
Ao fim de uns poucos anos o apóstolo já via que tinham sido meninos muito
tempo. Tinham estado muito tempo na carne, porque então já tinham que ser
espirituais. O propósito da redenção de Cristo é eliminar tudo o que
obstaculize o controle do Espírito Santo sobre toda a pessoa para que desse modo
possa ser espiritual. Esta redenção não pode falhar jamais porque o poder do Espírito
Santo é superabundante. Da mesma maneira que um pecador carnal pode
converter-se em um crente regenerado, um crente regenerado mas carnal pode ser
transformado em um homem espiritual. O que é lamentável é encontrar cristãos
que não realizaram nenhum progresso em sua vida espiritual ao longo de vários
anos e até décadas! E estes mesmos se assombram quando encontram alguém que, ao fim de uns anos, empreende uma
vida do espírito. Consideram isso como algo muito estranho e não vêem que se trata
simplesmente de algo normal, do normal crescimento da vida.
Quanto tempo faz que crêem no
Senhor? São espirituais?
Não devemos nos tornar meninos
velhos, entristecendo o Espírito Santo e prejudicando a nós mesmos. Todos os
regenerados deveriam ambicionar um desenvolvimento espiritual, permitindo que o
Espírito Santo governe sobre tudo, para que em um período de tempo relativamente
curto possa nos levar ao que Deus dispôs para nós. Não devemos perder o tempo
sem fazer progressos.
Então, quais são as razões
para não crescer? Possivelmente há duas. Por um lado pode ser devido à negligência
dos que, tendo a seu cargo as almas dos jovens crentes, possivelmente só lhes
falam da graça de Deus e de sua posição em Cristo, mas se esquecem de animá-los
a procurar experiências espirituais. (Melhor dizendo, possivelmente os que têm
outros sob seu cuidado, também desconhecem a vida no Espírito. Como podem
semelhantes pessoas guiar outros a uma vida mais abundante?) Por outro lado,
pode ser porque aos próprios crentes não interessam os assuntos espirituais.
Supõem que basta estar salvo, ou não têm apetite espiritual ou simplesmente não
estão dispostos a pagar o preço para poder avançar.
Como conseqüência deplorável
disto, a igreja está repleta de meninos grandes.
Quais são as características
dos carnais? A mais destacada é que continuam sendo meninos muito tempo. A duração
da infância não deveria passar de uns poucos anos. Quando uma pessoa nasce de
novo ao acreditar que o Filho de Deus expiou seus pecados na cruz,
simultaneamente deveria acreditar que foi crucificado com Cristo, para que
assim o Espírito Santo possa libertá-lo do poder que a carne exerce em nós.
Naturalmente, se desconhecer
este fato, permanecerá na carne durante muitos anos.
A segunda característica dos
carnais é que são incapazes de assimilar o ensino espiritual. «Vos alimentei
com leite, não com comida sólida; porque não estavam preparados.» Os coríntios
se orgulhavam enormemente de seu conhecimento e de sua sabedoria. De todas as Igrejas
desse período, a de Corinto era provavelmente a mais instruída. Paulo, em sua
carta, dá graças a Deus por seu grande conhecimento (1:5). Se Paulo lhes
pregava um sermão espiritual podiam compreender cada palavra. No entanto, toda
sua compreensão estava na mente. Embora soubessem tudo, estes coríntios não
tinham o poder de expressar na vida o que sabiam. Muito provavelmente hoje em
dia há muitos crentes que sabem tanto e tão bem, que até podem pregar a outros,
mas que ainda não são espirituais. O autêntico conhecimento espiritual não se
encontra em pensamentos maravilhosos e misteriosos mas sim na experiência
espiritual real através da união da vida do crente com a verdade. Aqui a inteligência não serve, e o anseio pela
verdade também é insuficiente. O indispensável é um caminho de total obediência
ao Espírito Santo, que é o único que nos ensina de verdade. Todo o resto é a
simples transmissão de conhecimento de uma mente a outra. Estes dados não tornam
espiritual alguém que seja carnal.
Pelo contrário, na realidade
sua carnalidade transformará em carnal todo seu conhecimento «espiritual». O
que necessita não é mais ensino espiritual, mas sim um coração obediente que esteja
disposto a ceder sua vida ao Espírito Santo e que ande pelo caminho da cruz
segundo o mandamento do Espírito. Um maior ensino espiritual só reforçará sua
carnalidade e servirá para que se engane e se considere espiritual.
Por acaso não diz a si mesmo:
«De que maneira poderia saber tantas coisas espirituais se não fosse
espiritual?» No entanto, o autêntico questionamento deveria ser: «Quanto sabe deveras
da vida, e quanto do que sabe é um produto da mente?» Que Deus tenha misericórdia
de nós.
Paulo escreveu sobre mais outra
evidência da carnalidade: que «havendo ciúmes e rivalidades entre vós, não são
da carne e se comportam como os outros homens?» O pecado do ciúme e da
rivalidade é uma prova eminente de carnalidade. Na igreja de Corinto abundavam
as dissensões, coisa que fica confirmada com afirmações tais como «Eu sou de
Paulo; ou Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou Eu de Cristo.» (1 Co. 1:12).
Inclusive os que diziam «sou de Cristo»
também eram carnais, porque o espírito da carne sempre e em todas partes é
ciumento e litigioso. Estes eram indefectivelmente carnais ao declarar-se
cristãos com essa atitude de espírito. Por muito bonita que soe a palavra,
qualquer jactância sectária não passa de balbucios de um bebê. As divisões na
igreja são devidas exclusivamente à falta de amor e à carnalidade.
Essas pessoas que aparentemente
discutem pela verdade não fazem mais que camuflar a verdadeira pessoa. Os
pecadores do mundo são homens da carne. Como tais, não estão regenerados, e em
conseqüência estão sob o domínio de sua alma e de seu corpo. Para um crente,
ser carnal significa que também se comporta como um homem comum. É perfeitamente
natural que os mundanos sejam carnais, e é compreensível que os crentes
recém-nascidos sejam carnais, mas depois de anos em que alguém esteja acreditando
no Senhor já deveria ser espiritual; então como pode continuar comportando-se
como uma pessoa do mundo?
É evidente que uma pessoa
pertence à carne se se comportar como um homem comum e pecar com freqüência.
Não importa quanta doutrina espiritual saiba, ou quantas experiências
espirituais pretenda haver tido, ou quantos serviços eficazes tenha prestado.
Nada disso o faz menos carnal se continuar sem se livrar de seu peculiar
temperamento, seu mau gênio, seu egoísmo, sua vanglória e sua falta de perdão e
de amor.
Ser carnal significa
comportar-se «como homens comuns». Deveríamos nos perguntar se nossa conduta difere
radicalmente ou não da dos homens comuns. Se têm mantido em suas vidas muitos
costumes mundanos, então são, sem dúvida alguma, da carne. Não discutamos sobre
se nos chamamos espirituais ou carnais. Se não estamos sendo governados pelo
Espírito Santo, que proveito tiraremos da simples qualificação de espirituais?
Afinal isto é um assunto de vida, e não de títulos.
Os pecados da carne
O que o apóstolo estava
experimentando em Romanos 7 era uma guerra contra o pecado que habita no corpo.
«O pecado, tomando ocasião,
pelo mandamento me enganou, e por ele me matou.... vendido ao pecado... já o
não faço eu, mas o pecado que habita em mim..» (vs. 11,13,14,17, 20).
Enquanto permaneça na carne, o
crente é vencido freqüentemente pelo pecado que há dentro dele. São muitas as
batalhas e muitos os pecados cometidos.
Podemos classificar as necessidades
do corpo humano em três categorias: nutrição, reprodução e defesa.
Antes da queda do homem,
estas eram necessidades legítimas, alheias ao pecado. Só depois que o homem caiu
no pecado, se converteram em instrumentos do pecado.
No caso da nutrição, o mundo utiliza
a comida para nos seduzir.
A primeira tentação do homem
está neste campo da comida. Da mesma maneira que a fruta do conhecimento do bem
e do mal tentou a Eva, hoje em dia o beber e os banquetes se converteram em um
pecado da carne. Não tratemos com leviandade este assunto da comida, porque
muitos cristãos carnais tropeçam nesse ponto. Os crentes carnais de Corinto
faziam tropeçar a seus irmãos precisamente nesse assunto da comida. Por isso a
todos os que tinham que ser anciões e diáconos naquele tempo lhes era exigido
que houvessem superado este ponto (1 Tm. 3:3, 8). Só a pessoa espiritual
compreende a inutilidade de dedicar-se a comer e a beber.
«Portanto, quer comais quer
bebais, ou façais, qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus.» (1
Co. 10:31).
Inclusive no jardim do Éden o
pecado da gula provocou imediatamente concupiscência e vergonha. Paulo põe
juntas estas duas coisas em sua primeira carta aos Coríntios (6:13, 15) e relaciona
claramente a embriaguez com a maldade (vs. 9,10).
Segundo, a reprodução. Depois
da queda do homem, a reprodução se converteu em desejo carnal ou
concupiscência. A Bíblia relaciona de uma maneira especial a concupiscência com
a carne.
Agora, a defesa. Quando o
pecado conseguiu o controle, o corpo manifestou sua força na defesa própria. Resiste
a tudo o que possa interferir em seu bem-estar e seu prazer. Essa manifestação usualmente
é chamada de mau gênio, e alguns de seus frutos como a irritação e a
rivalidade, procedem da carne e conseqüentemente são pecados da carne. Como o
pecado é a motivação que está por trás da defesa própria, daí surgirão, direta
ou indiretamente muitas transgressões. Quantos dos pecados mais negros deste
mundo surgem do amor próprio, da vaidade e de todo o resto que sai do eu!
Uma análise de todos os
pecados do mundo mostrará que cada um deles está relacionado com estas três
categorias. Um cristão carnal é aquele que está dominado por um, dois ou os
três pontos em questão. Assim como não surpreende a ninguém que uma pessoa do
mundo esteja dominada pelo pecado de seu corpo, deveria considerar-se como
muito anormal que um cristão nascido de novo permaneça muito tempo na carne,
fracasse em submeter o poder do pecado e viva uma vida de desigualdades.
Um crente deveria permitir ao
Espírito Santo que examinasse seu coração e que o instruísse sobre o que está
proibido pela lei do Espírito Santo e a lei da natureza, sobre o que o impede
de adquirir moderação e autocontrole e sobre o que o domina e o priva de
liberdade em seu espírito para servir a Deus livremente. Não é possível
empreender uma plena vida espiritual enquanto esses pecados não sejam
eliminados.
As coisas da carne
A carne tem muitas saídas. Aprendemos
que é hostil a Deus e não pode Lhe agradar de nenhum modo. Entretanto, nem o
crente nem o pecador podem avaliar genuinamente a absoluta inutilidade,
perversidade e contaminação da carne da maneira que o vê Deus, se não o mostra o
Espírito Santo. Só quando Deus, por seu Espírito, revela ao homem a verdadeira
condição da carne tal como Deus a vê, pode o homem enfrentar-se com sua carne.
As manifestações da carne são
bem conhecidas. Se um homem for rigoroso consigo mesmo e se negar a seguir,
como costumava, «os desejos do corpo e da mente» (Ef. 2:3), se dará conta com
facilidade de quão sujas são estas manifestações. A carta do Paulo aos Gálatas
dá uma lista destes pecados da carne para que ninguém se possa confundir:
«Ora, as obras da carne são
manifestas, as quais são: a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria,
a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as
dissensões, os partidos (literalmente, "seitas"), as invejas, as
bebedices, as orgias, e coisas semelhantes a estas, contra as quais vos
previno, como já antes vos preveni, que os que tais coisas praticam não
herdarão o reino de Deus.» (5:19-21).
Nessa contagem o apóstolo
afirma que «as obras da carne são evidentes». Todo aquele que esteja disposto a
compreender isso, as reconhecerá sem duvidar. Para descobrir se é da carne só
tem que perguntar-se se está fazendo alguma destas obras da carne. Claro está que
não terá que fazer todas as da lista para ser carnal. Simplesmente que faça
alguma delas basta para afirmar sem sombra de dúvida que é carnal, porque como
poderia fazer alguma delas se a carne já tivesse renunciado a seu domínio? A
presença de uma obra da carne demonstra a existência da carne.
Podemos dividir estas obras
da carne em cinco grupos:
1) pecados que mancham o
corpo, tais como a imoralidade, a impureza, a libertinagem;
2) comunicações sobrenaturais
pecaminosas com as forças satânicas, tais como a idolatria, a bruxaria;
3) temperamento pecaminoso e
suas peculiaridades, tais como inimizade, lutas, ciúmes, ira;
4) seitas e bandos
religiosos, tais como o egoísmo, as dissensões, o espírito partidarista, a
inveja; e
5) lascívia, tais como a embriaguez
e as orgias. Cada uma destas é facilmente observável. Os que as fazem são da carne.
Nestes cinco grupos
distinguimos alguns pecados que são menos pecaminosos e outros que sujam mais,
mas apesar de que possamos considerá-los mais repugnantes ou mais refinados,
Deus revela que todos têm a mesma procedência: a carne. Aqueles que cometem com
freqüência os pecados mais degradantes sabem que são da carne; entretanto, como
é difícil para os que triunfam sobre estes pecados relativamente mais degradantes,
reconhecer que são carnais!
Costumam se considerar superiores
aos outros e como se não vivessem segundo a carne. Não compreendem que por mais
civilizada que possa ser a aparência, a carne continua sendo a carne.
«Conflitos, dissensões,
espírito partidarista, inveja», dão uma aparência mais limpa que «imoralidade, impureza,
libertinagem, orgias». Mesmo assim, todos são frutos da mesma árvore. Temos que
orar sobre estes três versículos até que se nos abram os olhos e nos vejamos a nós
mesmos. Que nos humilhemos por meio da oração. Oremos até chorar com muitas lágrimas
e nos aflijamos por nossos pecados, até reconhecer que só somos cristãos de nome
— inclusive os cristãos «espirituais» —, mas que nossa vida continua estando
repleta de obras da carne. Tomara que cheguemos ao ponto de nossos corações se
inflamarem, dispostos a eliminar tudo o que seja carnal!
O primeiro passo na obra do
Espírito Santo é nos convencer e nos declarar culpados de nossos pecados. Assim
como sem a iluminação do Espírito Santo um pecador nunca verá a maldade de seu
pecado e não fugirá da ira futura para a obediência de Cristo, também um crente
precisa ver seu pecado pela segunda vez. Um cristão deveria reprovar a si mesmo
pelo seu pecado. Como poderá ser espiritual se não se der conta de toda a
perversa e desprezível que é sua carne e não se detesta a si mesmo? Oh, seja
como for que pequemos, continuamos pertencendo à carne! Agora é o momento de
nos prostrar humildemente diante de Deus, dispostos a que o Espírito Santo nos convença
de novo de nossos pecados.
A necessidade da morte
À medida em que um crente
seja iluminado pelo Espírito Santo para perceber algo da lamentável condição de
ser carnal, nesse ponto se intensificará sua luta com a carne, e seus fracassos
se farão evidentes mais freqüentemente. Na derrota se dará conta do pecado e da
fraqueza da carne, para que desperte nele uma crescente indignação para si
mesmo e uma ardente determinação de lutar contra o pecado de sua carne.
Semelhante reação em cadeia se pode estender pó bastante tempo até que finalmente,
ao experimentar a profunda obra da cruz, seja libertado. Que o Espírito Santo
nos guie desta maneira é algo intencional.
Antes de que a cruz possa
realizar uma obra profunda tem que haver uma preparação adequada. A luta e o fracasso
nos proporcionam isso.
Quanto à experiência do
crente, embora mentalmente possa estar de acordo com a avaliação que Deus faz
de que a carne está corrompida por completo e é irredimível, mesmo assim pode
carecer da clara percepção espiritual que avalia com precisão a corrupção e a contaminação
da carne. Possivelmente aceita que o que Deus diz é certo. Mas embora o crente
o diga, ainda a sua carne tenta lhe impor justificativas.
Muitos crentes, ignorantes da
salvação de Deus, tentam conquistar a carne brigando com ela. Acreditam que a
vitória depende da força que possuem. Por conseguinte, contam seriamente com
que Deus lhes concederá um grande poder espiritual para que possam dominar a
sua carne. Normalmente esta batalha se estende por um longo período de tempo,
com mais derrota que vitórias, até que finalmente se vê que uma vitória total sobre
a carne é irrealizável.
Durante este tempo o crente continua
por uma parte guerreando, e pela outra tentando melhorar ou disciplinar sua
carne. Ora, esquadrinhando a Bíblia, estabelece muitas regras («não faça, não
prove, não toque»), na vã esperança de dominar e domar à carne.
Inconscientemente cai na armadilha de tratar o mal da carne como um resultado
da falta de regras, educação e civilidade. Acredita que se pudesse dar a sua
carne alguma preparação espiritual se livraria de seu problema. Não vê que
semelhante tratamento é inútil (Cl. 2:21-23).
Por causa da confusão em que
se acha o cristão, desejando, na aparência, a destruição da carne, mas ao mesmo
tempo procurando melhorá-la, o Espírito Santo deve lhe permitir que lute, que
seja derrotado e que sofra sob suas próprias acusações. Só depois de ter
passado por esta experiência repetidamente, o cristão compreenderá que a carne
é irredimível e que seu método é vão. Então procurará outro tipo de salvação.
Deste modo conhecerá por experiência o que antes só conhecia mentalmente.
Se um filho de Deus acredita no
Deus fiel e sinceramente suplica ao Espírito Santo que lhe revele a santidade
de Deus para poder conhecer sua carne debaixo dessa luz, o Espírito o fará, sem
dúvida. Possivelmente economizará muitos sofrimentos no futuro. Mas crentes
assim há poucos. A maioria confia em seu próprio método, pretendendo que não
são tão maus depois de tudo. Para corrigir esta presunção errônea, o Espírito leva
pacientemente aos crentes a que comprovem pouco a pouco a inutilidade de seus
próprios métodos.
Temos dito que não podemos
ceder diante da carne, nem tampouco podemos corrigi-la nem educá-la, posto que
nenhum de nossos métodos pode chegar jamais a minimamente modificar a natureza
da carne. O que podemos fazer, então? A carne deve morrer. É o método de Deus.
O único caminho é a morte, e
não há outro. Preferiríamos domar a carne com nosso esforço, com nossa vontade
ou com outros inumeráveis meios, mas a prescrição de Deus é a morte. Se a carne
morre, não ficam resolvidos todos os problemas de maneira automática? Não temos
que conquistar a carne: ela tem que morrer. É muito razoável, se considerarmos
a maneira com que passamos a ser carne já no princípio: «o que nasce da carne é
carne». Nos tornamos carne ao nascer dela. Agora bem, a saída simplesmente
segue a entrada. A maneira de possuir é a maneira de perder. Como nos fizemos
carne ao nascer da carne, se depreende facilmente que nos liberaremos dela, se
morrer. A crucificação é o único caminho.
«Porque o que morreu está
livre de pecado» (Rm. 6:7).
Tudo o que passe longe da
morte é insuficiente. A morte é a única salvação.
A carne está muito corrompida
(2 Pe. 2:10-22), e por esta razão Deus não tenta trocá-la. O único método de libertação
é lhe dar morte. Nem sequer o precioso sangue do Senhor Jesus pode limpar as
impurezas da carne. Vemos na Bíblia que o sangre lava nosso pecado, mas nunca
lava nossa carne. Deve ser crucificada (Gl. 5:24). O Espírito Santo não pode
reformar a carne, e por isso não viverá em meio de carne pecaminosa. Não habita
no crente com o propósito de mellhorar a carne, mas sim para lutar contra ela
(Gl. 5:17).
«Não será derramado o azeite
da santa unção (que é um tipo do Espírito Santo) sobre a carne de homem» Êx.
30:32).
Se fosse assim, que absurdo é
que oremos ao Senhor com freqüência para que nos faça bons e amorosos para
poder lhe servir! Que vã é a esperança do que aspira a uma posição santa algum
dia, quando pudermos estar diariamente com o Senhor e possamos glorificá-lo em
tudo!
Deveras, não devemos tentar
jamais corrigir a carne para fazê-la colaborar com o Espírito de Deus. A carne
deve morrer. Só enviando a carne à cruz podemos nos libertar de continuar escravizados
indefinidamente por ela.
3. A cruz
e o Espírito Santo
Muitos crentes, senão a
maioria deles, não foram cheios do Espírito Santo no momento em que acreditaram
no Senhor. E o que é ainda pior, depois de muitos anos de terem crido,
continuam presos nas redes do pecado e ainda são cristãos carnais. Nas páginas
que seguem, tudo o que tentamos explicar sobre como se pode libertar um cristão
de sua carne está apoiado na experiência dos crentes de Corinto e também na de muitos
crentes parecidos de todas partes.
Além disso, não desejamos dar
a entender que um cristão deve primeiro acreditar na obra substitutiva da cruz
e posteriormente acreditar em sua obra identificativa. Não é verdade, entretanto,
que muitos, no princípio não têm uma revelação clara em relação à cruz? O que
receberam é só a metade de toda a verdade, e por isso têm que receber a outra
metade em um período posterior.
Mas, se o leitor já aceitou a
obra completa da cruz, o que vai encontrar aqui não lhe interessará muito. Mas
se, como a maioria de crentes, também acreditou unicamente na metade de toda a
verdade, então lhe é indispensável o resto. Mesmo assim, queremos seriamente
que nossos leitores saibam que não é necessário aceitar as duas faces da obra
da cruz em separado; a segunda aceitação só é necessária para quem recebeu a
primeira de maneira incompleta.
A libertação da cruz
Em sua carta aos Gálatas,
depois de enumerar muitos atos da carne, o apóstolo Paulo adverte que «os que
pertencem a Jesus Cristo crucificaram a carne com suas paixões e desejos» (Gl. 5:24). Eis aqui a libertação. Não é estranho
que o que interessa ao crente difere muito do que interessa a Deus? O crente
está interessado nas «obras da carne» (Gl. 5:19), quer dizer, nos pecados
variados da carne. Está ocupado com a irritação de hoje, o ciúmes de amanhã ou
a disputa de depois de amanhã. O crente se lamenta por um pecado em particular
e deseja conseguir a vitória sobre ele. Entretanto, todos estes pecados só são
frutos da mesma árvore. Enquanto se
agarra uma fruta (em realidade não se pode agarrar nenhuma) aparece outra. Crescem uma atrás de outra e não dão nenhuma possibilidade
de vitória. Por outro lado, Deus não está interessado nas obras da carne mas
sim na crucificação da carne.
«E os que são de Cristo Jesus crucificaram
a carne com as suas paixões e concupiscências.» (Gl. 5:24).
Se tivessem arrancado a
árvore haveria alguma necessidade de temer que desse fruto?
O crente trabalha ativamente
fazendo planos para controlar os pecados, que são as frutas, enquanto se
esquece de tratar a própria carne — que é a raiz —. Não é estranho que antes de
que possa resolver um só pecado já surgiu outro. Por isso hoje devemos tratar a
origem do pecado.
Os recém-nascidos em Cristo
precisam se apropriar do profundo significado da cruz porque ainda são carnais.
O objetivo de Deus é crucificar junto com Cristo o velho homem do crente, com o
resultado de que os que pertencem a Cristo «crucificaram a carne com suas
paixões e desejos».
Tenham presente que o que foi
crucificado é a carne junto com suas poderosas paixões e desejos.
Posto que o pecador foi
regenerado e redimido de seus pecados por meio da cruz, agora o menino carnal
em Cristo deve ser libertado do domínio da carne pela mesma cruz para que possa
andar segundo o espírito e já não segundo a carne. Depois disto não passará
muito tempo antes de que seja um cristão espiritual.
Aqui encontramos o contraste
entre a queda do homem e a ação da cruz. A salvação que proporciona esta é
justamente o remédio para aquela. Que adequação tão perfeita entre as duas!
Primeiro Cristo morreu na
cruz pelo pecador para perdoar seu pecado. Portanto, o Deus santo podia perdoá-lo
com justiça. Mas a seguir está o fato de que o pecador também morreu na cruz
com Cristo para que não possa ser controlado mais por sua carne. Só isto pode
fazer que o espírito do homem recupere seu próprio domínio, que o corpo seja
seu servidor externo e que a alma seja sua intermediária. Desta forma, o
espírito, a alma e o corpo são restaurados a sua posição original anterior à
queda. Se ignoramos o significado da morte que descrevemos, não seremos libertados.
Que o Espírito Santo seja nosso Revelador!
«Os que pertencem a Cristo
Jesus» se refere a todo crente no Senhor. Todos os que creram nEle e nasceram
de novo lhe pertencem. O fator decisivo é se se esteve unido a Ele na vida, não
se se é espiritual ou se se trabalhar para o Senhor, nem se se conseguiu libertação
do pecado; venceram-se as paixões e desejos da carne e agora se é plenamente
santificado. Em outras palavras, a pergunta só pode ser: foi-se regenerado, ou
não? acreditou-se no Senhor Jesus como Salvador, ou não? Se for sim, não
importa o estado espiritual atual — em vitória ou em derrota —, crucificou-se a
carne».
O assunto que temos adiante
não é moral, nem é coisa da vida, conhecimento ou obras espirituais.
Simplesmente é se se é do Senhor. Se for assim, então já se crucificou a carne
na cruz. Está claro que isto significa, não que alguém vai crucificar, nem que
está no processo de crucificação, mas sim que já crucificou.
Convém ser mais explícito
aqui. Assinalamos que a crucificação da carne não depende das experiências, por
muito diferentes que possam ser, mas sim depende do fato da obra terminada de
Deus.
«Os que pertencem a Cristo
Jesus» — tanto os fracos como os fortes — «crucificaram a carne com suas paixões
e desejos».
Dizeis que ainda pecais, mas
Deus diz que fostes crucificados na cruz.
Dizeis que vosso mau gênio
persiste, mas a resposta de Deus é que fostes crucificados.
Dizeis que vossas paixões continuam
sendo muito poderosas, mas novamente Deus replica que vossa carne foi crucificada
na cruz.
De momento, façam o favor de parar
de olhar suas experiências e ouçam o que Deus lhes diz. Se não escutarem sua
Palavra e em lugar disso observarem continuamente sua situação, jamais viverão
a realidade de que sua carne foi crucificada na cruz. Não façam caso de seus sentimentos
e de sua experiência. Deus declara crucificada sua carne, e conseqüentemente,
ela foi crucificada. Respondam simplesmente à Palavra de Deus e terão
experiência. Quando Deus lhes diz que «sua carne foi crucificada», devem
responder: «Amém, é verdade que minha carne foi crucificada.» Atuando desta
maneira, segundo sua Palavra, comprovarão que sua carne está verdadeiramente
morta.
Os crentes de Corinto se
permitiram cometer os pecados de fornicação, ciúmes, disputas, espírito partidarista,
pleitos e muitos outros. Eram claramente carnais. É certo que eram «meninos em Cristo»,
mas mesmo assim eram de Cristo. Pode-se dizer realmente que estes crentes
carnais haviam tido sua carne crucificada na cruz? A resposta é
indubitavelmente que sim. Inclusive estes haviam tido crucificada sua carne.
Como é isso? Devemos compreender que a Bíblia jamais nos diz que nos crucifiquemos.
Só nos informa que «fomos crucificados». Devemos compreender que não temos que ser
crucificados individualmente, mas sim fomos crucificados junto com Cristo (Gl.
2:20; Rm. 6:6). Se foi uma crucificação conjunta, então quando o Senhor Jesus
foi crucificado, nesse momento também foi crucificada nossa carne. Além disso,
a crucificação junto com a sua não a sofremos pessoalmente, posto que foi o
Senhor Jesus quem nos levou a cruz em sua crucificação. Em conseqüência, Deus
considera nossa carne já crucificada. Para Ele é um fato consumado. Sejam quais
forem nossas experiências pessoais, Deus declara que «os que pertencem a Cristo
Jesus crucificaram a carne». Para possuir esta morte não devemos dedicar muita
atenção a investigar ou observar nossas experiências. Em vez disso devemos
acreditar na Palavra de Deus. «Deus diz que minha carne foi crucificada e por
isso acredito que está crucificada. Reconheço que o que diz Deus é verdade.»
Respondendo desta maneira logo nos encontraremos com a realidade disto. Se
primeiro olhamos o ato de Deus, nossa experiência virá a seguir.
Da perspectiva de Deus, esses
coríntios já tinham crucificada sua carne na cruz com o Senhor Jesus, mas do
seu ponto de vista é evidente que não tinham semelhante experiência.
Possivelmente isto se devia a seu desconhecimento de fato de Deus. Daí que o
primeiro passo para a libertação é tratar a carne segundo o ponto de vista de
Deus. E o que é isso? Não é tentar crucificar a carne, mas sim reconhecer que
foi crucificada; não é andar segundo nossa vista, mas sim segundo nossa fé na
Palavra de Deus. Se estivermos bem assentados neste ponto de reconhecer que a
carne já está crucificada, então poderemos tratar com a carne em nossa
experiência. Se titubearmos quanto a este fato perderemos a possibilidade de possuí-lo
definitivamente. Para experimentar a crucificação junto com Jesus, primeiro
devemos deixar de lado nossa situação atual e simplesmente confiar na Palavra
de Deus.
O Espírito Santo e a experiência
«Enquanto estávamos vivendo na
carne, nossas paixões pecaminosas... obravam em nossos membros para dar fruto de
morte. Mas agora estamos... mortos...» (Rm. 7:5, 6).
A conseqüência disto é a
carne já não ter nenhum poder sobre nós.
Acreditamos e reconhecemos
que nossa carne foi crucificada na cruz. Agora — antes não — podemos fixar
nossa atenção no tema da experiência. Embora agora destaquemos a experiência,
mesmo assim nos aferremos firmemente ao feito de nossa crucificação com Cristo.
O que Deus tem feito por nós
e o que experimentamos da obra acabada de Deus, embora sejam duas coisas distinguíveis,
são inseparáveis.
Deus fez o que podia fazer. A
pergunta imediata é: Que atitude adotamos em relação à sua obra terminada? Ele
crucificou nossa carne na cruz, não de nome, mas sim de fato. Se acreditamos e
exercemos nossa vontade para escolher o que Deus tem feito por nós, esta experiência será nossa para sempre. Não se nos
pede que façamos nada, porque Deus tem feito tudo. Não se nos exige que
crucifiquemos nossa carne, porque Deus a crucificou na cruz.
Crêem que é certo? Desejam possuí-lo
em sua vida? Se acreditarem e desejarem, então colaborarão com o Espírito Santo
para conseguir uma rica experiência.
Colossenses 3:5 nos exorta: «Exterminai,
pois, as vossas inclinações carnais.»
Este é o caminho para a
experiência. O «pois» indica a conseqüência do dito no versículo 3,
«morrestes». O «morrestes» é o que Deus obteve para nós. Posto que «morrestes»,
pois, «façam morrer o que é terrestre em vós». Aqui, a primeira menção da morte
é nossa posição de fato em Cristo; a segunda é nossa experiência real. O
fracasso dos crentes de hoje pode achar-se no fracasso em ver a relação entre
estas duas mortes. Alguns tentaram anular sua carne porque têm insistido exclusivamente
na experiência da morte. Por isso sua carne cresce mais forte com cada tentativa!
Outros reconheceram a verdade de que sua carne de fato foi crucificada com
Cristo na cruz, mas não procuram a realidade prática disso. Nenhum destes pode
jamais apropriar-se em sua experiência da crucificação da carne.
Se desejamos fazer morrer nossos
membros, devemos primeiro ter uma base para semelhante ação, pois do contrário
simplesmente confiaríamos em nossas forças. Nenhum grau de entusiasmo pode nos
trazer jamais a experiência desejada. Além disso, se unicamente soubermos que nossa carne foi crucificada com
Cristo, mas não nos preocupamos de que sua obra acabada trabalhe em nós, nosso conhecimento
também será inútil. Para fazer morrer nossos membros devemos primeiro passar
pela identificação de sua morte. Conhecendo nossa identificação, devemos então
proceder ao fazer morrer nossos membros. Estes dois passos devem acontecer
juntos. Enganamos a nós mesmos se nos conformamos em simplesmente entender o
fato da identificação, achando que agora somos espirituais posto que a carne
foi destruída. Por outro lado, também nos enganamos se, ao fazer morrer as más
ações da carne colocamos nisso muita ênfase e falhamos em tomar a atitude de
que a carne morreu. Se esquecermos que a
carne está morta, nunca poderemos nos desprender de nada, enterrar nada. O
«façam morrer» depende do «morrestes». Aqui, o fazer morrer significa levar a
morte do Senhor Jesus a todas as ações da carne. A crucificação do Senhor tem
muita autoridade porque faz morrer aquilo com que se enfrenta. Como estamos
unidos a Ele em sua crucificação, podemos aplicar sua morte a qualquer membro
que seja tentado pelas paixões e fazê-lo morrer imediatamente.
Nossa união com Cristo em sua
morte significa que é um fato em nossos espíritos. O que o crente deve fazer
agora é tirar esta morte de seu espírito e aplicá-la a seus membros cada vez
que suas paixões despertem. Esta morte espiritual não é coisa para uma vez e pronto.
Se o crente não se mantiver vigilante ou se perde a fé, é indubitável que a
carne entrará em um frenesi de atividade. Que deseje ser totalmente conformado
à morte do Senhor, deve fazer morrer sem cessar as ações de seus membros para
que o que é real no espírito se realize no corpo.
Mas de onde vem o poder para
aplicar a crucificação do Senhor a nossos membros? Paulo insiste em que é «pelo
Espírito que se fazem morrer as ações do
corpo» (Rm. 8:13). Para fazer morrer estas ações, o crente deve confiar no
Espírito Santo para converter sua crucificação conjunta com Cristo em uma
experiência pessoal. Deve acreditar que o Espírito Santo aplicará a morte da
cruz a tudo o que tenha que morrer. Em vista do fato de que a carne do crente
foi crucificada com Cristo na cruz, não tem que ser crucificada de novo. Tudo o
que se precisa é aplicar, por meio do Espírito Santo, a morte consumada do Senhor
Jesus em favor dele sobre a cruz a qualquer ação má do corpo que tente
elevar-se. As obras más da carne podem surgir em qualquer momento e em qualquer
lugar. Como conseqüência, se o filho de Deus não faz valer constantemente pelo
Espírito Santo o poder da santa morte de nosso Senhor Jesus, não poderá
triunfar. Mas se enterrar as ações do corpo deste modo, o Espírito Santo que habita
nele realizará finalmente o propósito de Deus de deixar inoperante o corpo do
pecado (Rm. 6:6).
Apropriando-se da cruz deste
modo, o menino em Cristo será libertado do poder da carne e será unido ao Senhor
Jesus na vida da ressurreição.
Daí em diante o cristão
deveria «andar pelo espírito, e não satisfazer os desejos da carne» (Gl. 5:16).
Deveríamos recordar sempre que por muito profundamente que penetre em nossas
vidas a cruz do Senhor, não podemos esperar evitar mais perturbações das más
ações de nossos membros sem uma constante vigilância por nossa parte. Sempre
que um filho de Deus fracassa em seguir o Espírito Santo, isto tem como
conseqüência imediata seguir à carne. Deus nos descobre a realidade de nossa
carne por meio do perfil que o apóstolo Paulo faz do eu do cristão em Romanos 7
a partir do versículo 5. No momento em que o cristão deixa de fixar sua atenção
no Espírito Santo, instantaneamente se encaixa no modelo de vida carnal que
descrevemos. Alguns dão por certo que, como o capítulo de Romanos 7 está entre
os capítulos 6 e 8, a atividade da carne será coisa do passado assim que o
crente a tenha passado e tenha entrado na vida do Espírito em Romanos 8. Na realidade
os capítulos 7 e 8 são paralelos. Se um crente não andar pelo Espírito segundo
Romanos 8, fica submerso imediatamente na experiência de Romanos 7.
«Assim, por mim mesmo sirvo à
lei de Deus com minha mente, mas com minha carne sirvo à lei do pecado» (7:25).
Observem que Paulo conclui a
descrição de sua experiência, explicada antes deste versículo 25, usando a
frase «assim». Notamos uma contínua derrota em todo o versículo 24. Só no
versículo 25 se vê a vitória:
«Graças a Deus por meio de Jesus
Cristo nosso Senhor» (v. 25a).
No momento de conseguir a
vitória depois de derrotas constantes lemos que Paulo diz:
«Eu por mim mesmo sirvo à lei
de Deus com minha mente.»
Aqui está nos dizendo que sua
nova vida deseja o que Deus deseja. Porém, essa não é toda a história, porque
imediatamente Paulo declara:
«mas com minha carne sirvo à lei
do pecado».
E encontramos isto dito exatamente
depois de sua vitória no versículo 25a. A conclusão óbvia é que não importa o
muito que sua mente interior possa servir à lei de Deus e por mais que se veja
livre da carne, esta permanece invariável e continua servindo à lei do pecado.
Por isso, se desejamos ser guiados pelo Espírito Santo (Rm. 8:14) e ser libertados
da opressão da carne, devemos fazer morrer as más ações do corpo e andar e conformidade com o Espírito Santo.
A existência da carne
Notemos com atenção em que,
embora possamos fazer morrer a carne para que fique «inútil» (o significado
real de «destruir» em Rm. 6:6), a carne continua resistindo, apesar de tudo. É um
tremendo engano pensar que já eliminamos a carne e deduzir que a natureza do
pecado está completamente aniquilada. Este falso ensino engana às pessoas. A
vida regenerada não modifica a carne. A crucificação conjunta em Cristo não
suprime a carne. O fato de que o Espírito Santo habite em uma pessoa não a
impossibilita para andar segundo a carne. A carne, com sua natureza carnal,
vive perpetuamente no crente. Assim que tenha uma oportunidade, passará à ação
de modo imediato.
Vimos anteriormente o quão estreitamente
relacionados estão o corpo humano e a carne.
Enquanto não chegue o momento
de nos libertar fisicamente deste corpo não poderemos estar suficientemente
libertados da carne, de modo que esta não tenha nenhuma oportunidade de atuar.
Todo o que nasce da carne é
carne. Não há maneira possível de eliminá-la até que este corpo corrompido do
Adão não seja transformado. Nosso corpo ainda não está redimido (Rm. 8:23);
espera o volta do Senhor Jesus para sua redenção (1 Co. 15:22, 23,42-44,51-56;
1 Ts. 4:14-18; Fp. 3:20,21). Assim pois, enquanto estivermos no corpo devemos
nos manter continuamente alertas para que a carne não entre em ação com suas
más obras.
Nossa vida na terra se pode
comparar, na melhor das hipóteses, com a de Paulo, que dizia que «embora
andemos na carne não militamos segundo a carne» (2 Co. 10:3).
Como ainda possui um corpo, anda
na carne. Entretanto, como a natureza da carne é tão corrupta, não luta segundo
a carne. Anda na carne, sim, mas não anda pela carne (Rm. 8:4).
Enquanto o crente não é libertado
do corpo físico, não está totalmente livre da carne.
Fisicamente falando, deve
viver na carne (Gl. 2:20); espiritualmente falando, não lhe é necessário e não
deve lutar segundo a carne.
Vejamos bem, se Paulo, segundo
a conclusão evidente de 2 Coríntios 10:3, estando no corpo, é suscetível de
lutar segundo a carne (embora deduzamos do v. 4 que não luta nesse sentido),
então quem se atreve a dizer que já não tem uma carne potencialmente ativa? A
obra terminada da cruz e sua contínua aplicação por parte do Espírito Santo
são, por conseguinte, inseparáveis.
Devemos prestar uma atenção
especial a este ponto porque apresenta sérias conseqüências.
Se um crente chega a
acreditar que está totalmente santificado e que já não tem carne, viverá uma
vida de aparência, falsa, ou uma vida indolente e relaxada. Aqui temos que destacar
um fato. Os filhos nascidos de pais regenerados e santificados ainda são da
carne e precisam nascer de novo como outros meninos.
Ninguém pode dizer que não
são da carne e que não precisam nascer de novo. O Senhor Jesus afirmou que «o
que nasce da carne é carne» (Jo. 3:6). Se o que nasce é carne, isto mostra que
o que dá a luz também deve ser carne, porque só a carne pode engendrar carne. O
fato de que os filhos são carnais testemunha de maneira concreta que os pais
não estão totalmente liberados da carne. Os santos transmitem a seus filhos a natureza
caída unicamente porque, originariamente era a sua. Não podem transmitir a natureza
divina recebida na regeneração, já que essa natureza não é a sua original, a
não ser a recebida individualmente como um dom gratuito de Deus. O fato de que
os crentes comuniquem sua natureza pecadora a seus filhos indica que sempre
está presente neles.
Considerada dessa
perspectiva, vemos que uma nova criatura em Cristo nunca recupera, nesta vida, a posição que Adão tinha antes da
queda, posto que pelo menos o corpo ainda está esperando a redenção (Rm. 8:23).
Uma pessoa que é uma nova criatura, continua conservando a natureza pecaminosa
em seu interior. Ainda está na carne. Seus sentimentos e seus desejos são
imperfeitos às vezes e são menos nobres que os de Adão antes da queda. Se não
eliminar a carne humana de seu interior, não pode ter sentimentos, desejos ou
amor perfeitos. O homem jamais pode chegar à posição de estar acima de toda
possibilidade de pecar, visto que a carne persiste. Se um crente não seguir o
Espírito Santo mas, em vez disso ceder para a carne, estará, certamente, sob o
domino da carne. Entretanto, apesar destas realidades, não devemos empobrecer a
salvação realizada por Cristo. A Bíblia nos diz em muitas passagens que tudo o
que foi engendrado de Deus e foi cheio com Deus não tem nenhuma inclinação para
o pecado. Não obstante, isto não significa que, definitivamente, não haja
possibilidade de ter um desejo pecaminoso. Exemplificando: dizemos que as bóias
de madeira não têm tendência de afundar, mas é obvio que não são insubmergíveis.
Se a madeira fica encharcada o tempo suficiente, afundará por si só. Mesmo
assim, a natureza de uma tora de madeira é claramente de não afundar. De
maneira análoga, Deus nos salvou até o ponto de não termos inclinação para
pecar, mas não nos salvou até o ponto de sermos incapazes de pecar.
Se um crente permanecer
totalmente inclinado a pecar, isto mostra que é a carne e que não se apropriou da
salvação total. O Senhor Jesus pode nos desviar do pecado, mas além disso
devemos estar alertas. Sob a influência do mundo e a tentação de Satanás, a possibilidade
de pecar se mantém.
Naturalmente, um crente deve
compreender que em Cristo é uma nova criatura. Como tal, o Espírito Santo vive
em seu espírito; e isto, junto com a morte de Jesus trabalhando ativamente em
seu corpo, pode equipar o crente para viver uma vida santa. Isto só é possível
porque o Espírito Santo aplica a cruz na carne do crente, fazendo morrer as
ações de seus membros. E então fica inativa. Entretanto, isto não implica que
já não existe a carne. Porque um crente continua possuindo uma carne pecaminosa
e é consciente de sua presença e de sua contaminação. O próprio fato de que a
natureza pecaminosa seja transmitida aos filhos deixa claramente estabelecido
de que o que agora possuímos não é a perfeição natural de Adão sem pecado.
O crente deve confessar que
inclusive em suas horas mais santas pode haver momentos de fraqueza: podem
introduzir-se maus pensamentos em sua mente inconscientemente; podem escapar
palavras impróprias sem querer; sua vontade pode, às vezes, encontrar dificuldade
em ceder diante do Senhor; e
secretamente pode, inclusive, aprovar a idéia da auto-suficiência.
Tudo isso não é nada mais do que
a obra da carne.
Por isso os crentes devem
saber que a carne pode voltar a exercer seu poder a qualquer momento. Não foi
eliminada do corpo. Mas a presença da carne tampouco significa que a
santificação seja impossível para um crente. Só quando entregamos nosso corpo
ao Senhor (Rm. 6:13) é possível libertar-nos do domínio da carne e estar sob o
domínio do Senhor. Se seguirmos o Espírito Santo e mantivermos uma atitude de
não deixar que o pecado reine sobre o corpo (Rm. 6:12), então nossos pés ficam
livres de tropeçar e experimentamos uma vitória constante. Havendo sido libertado,
nosso corpo se converte em templo do Espírito Santo e é livre para fazer a obra
de Deus. Assim, a maneira de preservar nossa liberdade da carne tem que ser
exatamente a maneira com que se obteve esta liberdade no princípio, naquela conjuntura
entre a vida e a morte, quando o crente diz «sim» a Deus e «não» à carne. Longe
de ser um fato único, de uma vez para sempre, o crente deve manter durante toda
sua vida uma atitude afirmativa diante de Deus e uma resposta negativa para o
pecado.
Nenhum crente consegue chegar
ao ponto de estar acima da tentação. Quão necessário é vigiar e orar, e
inclusive jejuar, para poder saber como andar segundo o Espírito Santo! Apesar
de tudo, o crente não deveria diluir nem o propósito de Deus nem sua própria
esperança. Tem a possibilidade de pecar, mas não deve pecar. O Senhor Jesus
morreu por nós e crucificou nossa carne com Ele na cruz. O Espírito Santo vive
em nós para tornar real para nós o que o
Senhor Jesus fez. Temos a absoluta possibilidade de não ser governados pela
carne. A presença da carne não é uma chamada à rendição, mas sim uma chamada a
vigiar. A cruz crucificou por completo à carne. Se estivermos dispostos a
anular as más obras do corpo no poder do Espírito Santo, experimentaremos
seriamente a obra consumada da cruz.
«assim, irmãos, somos
devedores, não à carne para viver segundo a carne, porque se viverem segundo a
carne morrerão, mas se pelo Espírito fazem morrer as ações do corpo, viverão» (Rm.
8:12, 13).
Posto que Deus concedeu
semelhante graça e salvação, a culpa será toda nossa se continuarmos seguindo a
carne. Já não lhe somos devedores como o fomos antes de conhecer esta salvação.
Se agora persistirmos em viver pela carne é porque queremos viver assim, não
porque devemos viver assim. Muitos santos amadurecidos experimentaram uma
vitória sustentada sobre a carne. Embora a carne permaneça, seu poder está
reduzido virtualmente a zero. Sua vida, junto com sua natureza e suas
atividades, foi posta em suspensão de maneira tão contundente pela cruz do
Senhor no poder do Espírito Santo, que foi relegada a um estado de existência
como se não estivesse presente. Devido à profunda e persistente obra da cruz e
à fidelidade dos santos em seguir ao Espírito Santo, a carne, embora exista,
perde toda sua existência. Inclusive seu poder para estimular aos crentes
parece estar anulado. Todos os crentes podem obter este triunfo total sobre a
carne.
«Se pelo Espírito fazem morrer
as ações do corpo, viverão.»
Toda a relação expressa neste
versículo se apóia nessa palavra: «se».
Deus fez tudo o que era necessário.
Não pode fazer nada mais. A decisão é nossa. Se descuidarmos desta perfeita
salvação, como escaparemos?
«Se viverem segundo a carne
morrerão»: isto é uma advertência. Embora estejam regenerados, mesmo assim
perderão sua experiência espiritual, como se não estivessem vivos.
Se viverem «pelo Espírito»
também morrem, mas morrem na morte de Cristo. Esta morte é muito autêntica
porque anulará todas as ações da carne. De um ou outro modo morrerão. Que morte
escolhem: a que procede de uma carne viva ou a que surge de um espírito ativo? Se
a carne estiver viva, o Espírito Santo não pode viver com força.
Que vida preferem: a da carne
ou a do espírito? A provisão de Deus para vocês é que sua carne e todo seu
poder e suas atividades fiquem sob o
poder da morte de Cristo na cruz. O que nos falta não é outra coisa senão a morte.
Deixemos isto bem claro antes
de falar de vida, porque não pode haver ressurreição se antes não houver morte.
Estamos dispostos a obedecer
a vontade de Deus? Deixaremos que a cruz de Cristo se manifeste de uma maneira prática
em nossas vidas? Se for assim, devemos fazer morrer com o Espírito Santo todas
as ações más do corpo.
4. A
jactância da carne
O outro lado da carne
Existem só as obras da carne
que mencionamos até agora, ou há outras obras carnais? Os pecados da carne que
temos feito notar até aqui são as paixões do corpo humano.
Mas agora devemos fixar nossa
atenção em outro aspecto da carne. Recordarão que anteriormente afirmamos que a
carne consiste nas obras da alma assim como também as paixões do corpo.
Até agora só falamos sobre a
parte do corpo, deixando quase sem tocar a parte da alma. É totalmente certo
que o crente deve desprender-se dos pecados do corpo, mas também tem que
opor-se às obras de sua alma, porque aos olhos de Deus são tão corruptas como
os pecados do corpo.
Segundo a Bíblia, as obras da
«carne» são de duas categorias (embora ambas sejam da carne): as más e as
hipócritas. A carne não somente pode produzir pecados repelentes mas também
condutas louváveis; não só o baixo e o ruim mas também o elevado e o nobre; não
só as paixões pecaminosas mas também a boa intenção.
É a esta segunda parte que
vamos nos dedicar agora.
A Bíblia emprega a palavra
«carne» para descrever a vida ou a natureza corrupta do homem, que abrange a
alma e o corpo. No ato criador de Deus, a alma foi colocada entre o espírito e
o corpo, ou seja, entre o que é celestial ou espiritual e o que é terrestre ou
físico. Seu dever é administrá-los de acordo com a função de cada um, conforme
a sua adequação, mas mantendo-os intercomunicados, para que, por meio desta
perfeita harmonia, o homem possa finalmente alcançar a plena espiritualidade. Desgraçadamente,
a alma cedeu à tentação que surgiu dos órgãos físicos, escapando assim da autoridade
do espírito e aceitando o controle do corpo. Em conseqüência, a alma e o corpo ficaram
unidos para ser a carne. A carne não só está «livre do espírito», mas também é
totalmente contrária ao espírito. Por isso a Bíblia afirma que «a carne luta
contra o espírito» (Gl. 5:17).
A oposição da carne contra o
espírito e contra o Espírito Santo é dupla:
1) pecando: se rebela contra
Deus e infringe a lei de Deus, e
2) fazendo o bem: obedece a
Deus e segue a vontade de Deus.
Naturalmente, o elemento
corporal da carne, cheio de pecado e de paixões, não pode fazer outra coisa senão
expressar-se em muitos pecados, entristecendo o Espírito Santo. A parte da
carne que é a alma, no entanto, não está tão poluída como o corpo. A alma é o
princípio de vida do homem; é seu eu próprio, e consta das faculdades da
vontade, da mente e da emoção.
Do ponto de vista humano, as
obras da alma podem não ser todas más. Simplesmente se centram no pensamento, na
idéia, no sentimento e nas preferências e aversões da pessoa.
Embora todos estes se concentrem
no eu, não são necessariamente pecados poluentes. A característica básica das
obras da alma é a independência ou auto-dependência: Embora a parte da alma não
esteja tão poluída como a parte corporal, mesmo assim é contrária ao Espírito
Santo. A carne põe o eu no centro e eleva a vontade própria acima da vontade de
Deus. Pode servir a Deus, mas sempre segundo sua idéia, não segundo a idéia de Deus.
Fará o que seja bom a seus olhos. O eu é o princípio que está detrás de cada
ato. Pode ser que não cometa o que o homem considera pecado; pode ser,
inclusive, que tente cumprir os mandamentos de Deus com todas suas forças;
entretanto, o «eu» nunca deixa de estar no coração da atividade.
Quem pode desentranhar a
falsidade e a vitalidade deste eu? A carne não só se opõe ao espírito, pecando
contra Deus, mas também tentando servi-Lo e agradá-Lo. Opõe-se ao Espírito
Santo e o apaga, apoiando-se em sua própria força, em vez de confiar por
completo na graça de Deus e deixar-se levar pelo Espírito.
Podemos encontrar muitos
crentes ao nosso redor que, por natureza são bons, pacientes e afetuosos. Agora
bem, o que o crente odeia é o pecado; em conseqüência, se pode livrar dele e
das obras da carne descritas em Gálatas 5, versículos 19 a 21, então se sente
satisfeito.
Mas o que o crente admira é a
justiça; em conseqüência, se esforçará em agir corretamente, desejando possuir
os frutos de Gálatas 5, versículos 22 e 23. Entretanto, o perigo se encontra
aqui, porque o cristão não chegou a aprender a aborrecer a sua carne em sua
totalidade.
Deseja simplesmente livrar-se
dos pecados que surgem dela. Sabe como resistir um pouco às ações da carne, mas
não vê que a própria carne, em sua totalidade, deve ser destruída.
O que o engana é que a carne
não somente pode produzir pecado mas também pode fazer o bem. Se ainda fizer o
bem é evidente que ainda está viva. Se a carne tivesse morrido definitivamente,
a capacidade do crente de fazer o bem e de fazer o mal teria morrido com ela.
Uma capacidade para operar coisas
boas mostra que a carne ainda não morreu.
Sabemos que os homens originalmente
pertencem à carne: A Bíblia ensina claramente que não há ninguém no mundo que
não seja da carne, posto que todo pecador nasceu da carne.
Mas, além disso, reconhecemos
que muitos, antes de nascer de novo, e inclusive muitos que em toda sua vida
nunca acreditaram no Senhor, fizeram e continuam fazendo muitas coisas
louváveis. Alguns parecem ter nascido com o dom da amabilidade, da paciência ou
da bondade. Observem o que o Senhor diz a Nicodemos (Jo. 3:6); apesar desse
homem ser bom por natureza, mesmo assim o considera da carne. Isto confirma que
a carne pode deveras fazer o bem.
Na carta de Paulo aos Gálatas
vemos outra vez que a carne pode fazer o bem.
«Havendo começado com o
Espírito, estão terminando com a carne?» (3:3).
Os filhos de Deus na Galácia
haviam caído no engano de fazer o bem com a carne. Tinham começado no Espírito
Santo; porém não continuaram assim para serem feitos perfeitos. Em vez disso
quiseram aperfeiçoar-se por meio de sua justiça, da justiça segundo a lei. Por
isso o apóstolo lhes fez semelhante pergunta. Se a carne dos crentes gálatas só
tivesse podido fazer o mal, Paulo não teria que fazer uma pergunta assim, posto
que eles mesmos saberiam de sobra que os pecados da carne não podiam
aperfeiçoar em modo algum o que se começou com o Espírito Santo. Que desejassem
aperfeiçoar com sua carne o que o Espírito Santo havia iniciado mostra que para
alcançar uma posição perfeita dependiam da capacidade de fazer o bem de sua
carne. Realmente tinham tentado fazer o bem com grandes esforços, mas o apóstolo
nos mostra aqui que as boas ações da carne e as obras do Espírito Santo são
dois mundos distintos. O que uma pessoa faz com a carne o faz ela mesma.
Jamais se pode aperfeiçoar o
que Espírito Santo começou No capítulo anterior pudemos encontrar o apóstolo
dizendo outra coisa importante sobre o mesmo tema: «Mas se torno a edificar
aquilo que derrubei, constituo-me a mim mesmo transgressor» (2:18). Assinalava
aos que, tendo sido salvos e tendo recebido o Espírito Santo, ainda insistiam
em conseguir a justiça segundo a lei (vs. 16,17,21) por meio de sua própria
carne.
Fomos salvos por meio da fé
no Senhor e não por meio de nossas obras: isto é ao que se referia Paulo com as
«coisas derrubadas». Sabemos que sempre tinha lançado por terra as obras dos
pecadores, considerando estas ações sem absolutamente nenhum valor na salvação de uma pessoa.
Se fazendo o bem tentamos
«voltar a construir essas coisas» que tínhamos destruído, então, segundo Paulo,
«demonstramos que somos transgressores». O apóstolo nos está dizendo que da
mesma maneira que um pecador não pode salvar-se por seus próprios esforços, do
mesmo modo os que fomos regenerados não podemos
ser aperfeiçoados por meio de nenhuma boa ação de nossa carne. Que inúteis continuam
sendo essas ações!
Romanos 8 sustenta que «os
que estão na carne não podem agradar a Deus» (v. 8).
Isto implica que os carnais
tentaram agradar a Deus, embora sem êxito. Certamente, isto se refere especificamente
às boas ações da carne que fracassam por completo em agradar a Deus. Agora vamos
conhecer, em profundidade, precisamente o que a carne pode fazer: é capaz de realizar
boas ações, de fazê-las com competência. Freqüentemente concebemos a carne sob
o aspecto de suas paixões e concupiscências, e por conseguinte a consideramos categoricamente
poluída, sem ver que compreende mais que o aspecto das paixões. Mas as
atividades das variadas faculdades da alma não têm por que ser tão poluídas
como as paixões.
Além disso, a palavra
«paixão», tal como às vezes é utilizada na Bíblia, não tem nenhum sentido de
contaminação, como, por exemplo, na luta da carne (com paixão) contra o
Espírito, e do Espírito contra a carne» em Gálatas 5:17. Vemos que o Espírito
também tem paixão — contra a carne —. Neste exemplo, paixão simplesmente
transmite a idéia de um desejo intenso.
Tudo o que uma pessoa é capaz
de fazer antes da regeneração simplesmente é o resultado dos esforços da carne.
Por isso pode fazer o bem, como também pode fazer o mal. O engano do crente reside
precisamente aqui, em que só sabe que o mal da carne deve ser destruído, mas
ignora que tem que acontecer o mesmo com o bem da carne. Desconhece que a
virtude da carne é da carne tanto quanto a sua maldade. A carne permanece sendo
carne, seja boa ou seja má. O que põe um cristão em perigo é sua ignorância ou
sua rejeição em enfrentar a necessidade de desprender-se de tudo da carne,
inclusive do que é bom. Deve reconhecer categoricamente que o bom da carne não
é em nada melhor que o mau, posto que ambas as coisas pertencem à carne. Se não
se enfrentar com a carne boa, um cristão não pode esperar ser livre do domínio
da carne jamais. Porque se deixar que sua carne faça o bem, logo a encontrará obrando
o mal. Se não destruir sua virtude, sem dúvida alguma teremos que nos enfrentar
com sua maldade.
A natureza das boas obras da carne
Deus se opõe à carne
energicamente porque conhece por completo sua condição autêntica.
Deseja que seus filhos se libertem
por completo da velha criatura e experimentem plenamente a nova. Seja boa ou
má, a carne ainda é carne. A diferença entre o bem que provém da carne e o bem que
surge da nova vida é que a carne sempre tem o eu no centro. É o meu eu que pode
fazer — e faz — o bem, sem necessidade de confiar no Espírito Santo, sem necessidade
de ser humilde, de esperar em Deus, de orar a Deus. Posto que é o eu quem quer,
penso e faço sem necessidade de Deus, e que, em conseqüência, considero o
quanto melhorei, a altura a que cheguei com meu próprio esforço, então não é
inevitável que eu me atribua a glória? É evidente que estes atos não levam as
pessoas a Deus; em vez disso, enchem o eu. Deus quer que todos venham a Ele num
espírito de absoluta dependência, totalmente submissos a seu Espírito Santo e
esperando humildemente nele. Algo bom da carne que gire em torno do eu é uma
abominação aos olhos de Deus, porque não procede do Espírito de vida do Senhor
Jesus, mas sim do eu, e glorifica ao eu. O apóstolo afirma solenemente em sua
carta aos Filipenses que ele «não põe sua confiança na carne» (3:3). A carne
tende a ser confiante em si mesma.
Como são tão capazes, os
carnais não precisam confiar no Espírito Santo. Cristo crucificado é a
sabedoria de Deus, mas quanto um crente confia na sua própria sabedoria! Pode
ler e pregar a Bíblia, pode escutar e acreditar a Palavra, mas faz tudo com o
poder de sua mente, sem a mínima
necessidade de depender totalmente da instrução do Espírito Santo.
Em conseqüência, muitos
acreditam possuir toda a verdade, quando simplesmente conseguiram o que têm
escutando outros ou estudando a Bíblia. O que é do homem ultrapassa em muito o
que é de Deus. Não têm o coração aberto para receber sua instrução ou para
esperar no Senhor, que Ele lhes revele sua verdade em sua luz.
Cristo crucificado também é o
poder de Deus. Mas quanta confiança em si mesmo há no serviço cristão!
realizam-se mais esforços em planejar e em preparar, do que em esperar no
Senhor. Dedica-se o dobro de tempo a preparar a exposição e a conclusão de um
sermão do que a receber o poder do alto. Mas todas estas obras são mortas aos
olhos de Deus, não pelo fato de que não se proclame a verdade, ou que não se
confesse a pessoa e a obra de Cristo, ou não se busque a glória de Deus, mas
sim pela confiança na carne. Quanta ênfase colocamos na sabedoria humana e nos
esforçamos por achar argumentos satisfatórios em nossas mensagens, e como
procuramos ilustrações apropriadas e outros meios variados para comover, e
empregamos sábias exortações para induzir os homens a que tomem decisões!
Mas onde estão os resultados práticos?
Até que ponto confiamos no Espírito Santo e até que ponto confiamos na carne? Existe
mesmo algum poder na velha criatura que possa capacitar as pessoas a herdar
algo na nova criatura?
Como já dissemos, a segurança
e a confiança em si mesmo são as brechas das boas obras da carne. Para a carne é
impossível descansar em Deus. É muito impaciente para tolerar qualquer demora.
Enquanto se considerar forte nunca confiará em Deus.Mesmo nos momentos de desespero,
a carne continua fazendo planos e procurando uma saída. Nunca tem a sensação de
dependência total. Isso pode ser uma indicação para o crente saber se uma obra
é ou não é da carne. Tudo o que não for resultado de esperar em Deus, de
confiar no Espírito Santo, é da carne sem dúvida alguma. Tudo o que uma pessoa
decide segundo seu critério em lugar de procurar a vontade de Deus, surge da
carne. Sempre que há ausência de uma confiança absoluta, isto é obra da carne.
Agora entendam, as coisas que se façam podem não ser más ou equivocadas. De
fato podem ser boas e piedosas (como ler a Bíblia, orar, adorar, pregar), mas
se não são feitas num espírito de total confiança no Espírito Santo, então tudo
é obra da carne. A velha criatura está disposta a fazer qualquer coisa — inclusive submeter-se a Deus — contanto que
se lhe permita viver e permanecer ativa! Por muito boas que possam parecer as
ações da carne, o «eu», oculto ou visível, sempre aparece no horizonte. A carne
jamais admite sua debilidade nem reconhece sua inutilidade; inclusive embora se
evidencie seu fracasso até o ridículo, a carne continua acreditando firmemente
em sua capacidade.
«Tendo começado com o
Espírito, terminarão com a carne?» Isto põe à vista uma grande verdade. Uma
pessoa pode começar bem, no Espírito, e mesmo assim não continuar por esse
caminho. Nossa experiência confirma o fato da relativa facilidade com que uma
coisa pode começar no Espírito mas terminar na carne. Freqüentemente ocorre que
o Espírito comunica uma verdade e que, apesar disso, em pouco tempo esta
verdade se converte em uma jactância da carne. Os judeus cometeram este mesmo engano.
Com que freqüência, quando se trata de obedecer ao Senhor, de negar de novo o
eu, de receber poder para salvar almas, uma pessoa pode confiar seriamente no
Espírito Santo no inicio, mas, em pouco tempo esta mesma pessoa converte a
graça de Deus em sua própria glória, considerando o que é de Deus como se fosse
dele.
Ocorre o mesmo com nossa
conduta. Por meio da obra do Espírito Santo há, no princípio, uma poderosa
transformação na vida de uma pessoa, que faz que ame o que antes odiava e que
odeie o que antes amava. Entretanto, pouco a pouco o «eu» começa a
introduzir-se sorrateiramente. A pessoa
interpreta cada vez mais estas mudanças como êxitos próprios e chega a
admirar-se; ou se torna indiferente e gradualmente atua segundo o eu em lugar
de confiar no Espírito Santo. Há milhares de coisas na experiência do crente
que começam bem, no Espírito, mas que desgraçadamente terminam na carne. Por
que muitos filhos queridos de Deus procuram desejosos uma consagração absoluta
e desejam impacientes mais vida abundante e apesar disso fracassam?
Freqüentemente, ao escutar as
mensagens, ao conversar com pessoas, ao ler livros espirituais ou ao orar em privado,
o Senhor lhes dá a conhecer que é perfeitamente possível ter uma vida de
plenitude no Senhor. Os faz perceber a simplicidade e a beleza de uma vida
semelhante e não vêem nenhum obstáculo em seu caminho que os impeça de consegui-la.
Verdadeiramente experimentam
uma bênção, poder e glória como nunca antes. Oh, que maravilhoso! Mas ai! Logo
se desvanece. Por que? Como? É devido a quê sua fé não é perfeita? Ou sua
consagração não é absoluta? Por certo sua fé e sua consagração ao Senhor são
plenas. Então, por que semelhante fracasso? Por que razão se perde a
experiência e como se pode recuperar?
A resposta é simples e
precisa. Confiam na carne e tentam aperfeiçoar por meio da carne o que começou no
Espírito. Substituem o Espírito pelo eu. O eu deseja ir à frente e ao mesmo
tempo espera que o Espírito esteja a seu lado para o ajudar. A posição e a obra
do Espírito foram substituídas pelas da carne.
Há ausência de uma
dependência total da direção do Espírito. Também há ausência de uma espera no
Senhor.
Tentar segui-Lo sem negar o
eu é a raiz de todos os fracassos.
Os pecados resultantes
Se um crente estiver tão
seguro de si próprio que se atreve a completar a tarefa do Espírito Santo com a
energia da carne, jamais alcançará uma maturidade espiritual completa. Em lugar
disso chegará um momento em que os pecados que antes tinha superado voltarão a
aparecer nele com força.
Não se surpreendam com o que estão
lendo. É coisa bem conhecida que sempre e em qualquer lugar em que a carne sirva a Deus, ali e naquele
momento o poder do pecado se reforça.
Por que os orgulhosos
fariseus se fizeram escravos do pecado? Acaso não foi porque estavam muito
convencidos de sua justiça e serviam a Deus com muito zelo?
Por que o apóstolo repreendeu
os gálatas? Por que manifestavam as ações da carne? Não era porque desejavam
estabelecer sua própria justiça pelas obras e para aperfeiçoar pela carne a
obra que tinha começado o Espírito Santo?
O maior descuido que os
cristãos cometem na vitória sobre o pecado se encontra no fato de não usar o
meio adequado para prolongá-la. Em vez disso tentam perpetuar a vitória com
suas obras, sua decisão e sua firmeza. Podem ter êxito momentaneamente.
Entretanto, não passará muito tempo sem que vejam que voltam para seus pecados
de antes, que possivelmente difiram na forma, mas não na essência. Então se afundam
no abatimento, ao chegar à conclusão de que o triunfo persistente é impossível
de alcançar, ou então tratam de ocultar seus pecados sem confessar sinceramente
que pecaram.
E então, o que é que causa
este fracasso?
Da mesma maneira que a carne
lhes dá força para operar corretamente, também lhes dá o poder para pecar.
Sejam bons ou maus, todos seus atos são expressões da mesma carne. Se não damos
à carne oportunidade de pecar, ela está disposta a fazer o bem, e embora lhe dê
oportunidade de fazer o bem, logo voltará a pecar.
Aqui Satanás engana os filhos
de Deus. Se os crentes mantivessem normalmente a atitude de ter a carne
crucificada, Satanás não teria nenhuma oportunidade, porque «a carne é o ateliê
ou oficina de Satanás». Se toda a carne, não só uma parte, estiver realmente
sob o poder da morte do Senhor, Satanás ficará totalmente sem trabalho. Por isso
ele está disposto a permitir que levemos a parte pecaminosa de nossa carne à morte,
se puder nos enganar para que retenhamos a parte boa. Satanás sabe
perfeitamente que se a parte boa permanecer intacta, a vida da carne ficará
preservada. Ainda terá uma cabeça de ponte com a qual prosseguirá sua campanha
para recuperar o território que perdeu. Ele sabe muito bem que a carne pode vencer
e recuperar sua vitória no reino do pecado se a carne conseguir excluir o
Espírito Santo no que diz respeito ao serviço a Deus.
Isto explica porque muitos
cristãos tornam a servir ao pecado depois de ter sido libertos.
Se o espírito não mantiver realmente
um controle total e constante em questão de adoração, não poderá manter o
domínio na vida diária. Se eu não me neguei por completo diante de Deus, não
posso me negar diante dos homens, e por causa disto não posso vencer meu ódio,
mau gênio e egoísmo. Estas duas coisas são inseparáveis.
Por causa de sua ignorância
desta verdade, os crentes da Galácia chegaram a «morder-se e devorar-se uns aos
outros» (Gl. 5:15). Tentaram aperfeiçoar pela carne o que tinha começado no Espírito
Santo, porque desejavam «fazer um bom papel na carne», para «poder
glorificar-se em sua carne» (6:12,13). Evidentemente, seus êxitos em conseguir
fazer o bem com a carne eram muito escassos, enquanto que seus fracassos em
vencer o mal eram numerosos. Não percebiam que, enquanto servissem a Deus com
suas forças e suas idéias, indubitavelmente serviriam ao pecado na carne. Se
não proibiam à carne que fizesse o bem, não podiam impedi-la de que fizesse o
mal. A melhor maneira de não pecar é não fazer o bem com o eu. Ao desconhecer a
absoluta corrupção da carne, os crentes gálatas, em sua necessidade, desejavam
usá-la sem reconhecer que há a mesma corrupção na carne ao gabar-se de fazer o
bem que ao seguir as más paixões. Não podiam fazer o que Deus queria que fizessem,
porque por um lado tentavam realizar o que o Espírito Santo tinha começado, e
pelo outro tentavam inutilmente livrar-se das paixões da carne.
5. A
atitude definitiva do crente com a carne
A opinião de Deus sobre a carne
Nós, cristãos, necessitamos ser
relembrados sobre o julgamento de Deus sobre a carne. O Senhor Jesus diz que «a
carne não serve de nada» (Jo. 6:63). Tanto faz se for o pecado da carne ou a
bondade da carne, tudo é vão. O que nasce da carne, seja o que seja, é carne e
jamais pode ser «descarnada». Tanto faz se for a carne no púlpito, a carne no
auditório, a carne nas orações, a carne na consagração, a carne na leitura da
Bíblia, a carne no canto de hinos ou a carne na prática do bem, Deus afirma que
nada disso serve. Por muito que os crentes possam trabalhar ardentemente na carne,
aos olhos de Deus tudo é inútil; porque a carne nem beneficia à vida espiritual
nem pode levar a cabo a justiça de Deus.
Vamos ressaltar umas quantas
observações sobre a carne que o Senhor faz por meio do apóstolo Paulo na carta
aos Romanos.
1) «Porque a inclinação da
carne é morte» (8:6). Segundo Deus há morte espiritual na carne. A única saída
é levar a carne à cruz. Apesar dela ter capacidade para fazer o bem ou planejar
e maquinar para conseguir a aprovação dos homens, Deus pronunciou contra a carne
simplesmente uma sentença: a morte.
2) «A inclinação da carne é
inimizade contra Deus» (8:7). A carne se opõe a Deus. Não existe a mínima
possibilidade de uma coexistência pacífica. Isto não só ocorre com os pecados
que surgem da carne mas também com seus pensamentos e ações mais nobres. É
óbvio que os pecados contaminantes são contrários a Deus, mas tenhamos presente
que também se podem fazer boas ações independentemente de Deus.
3) «Não é sujeita à lei de
Deus, nem em verdade o pode ser» (8:7). Quanto melhor trabalha a carne mais se afasta
de Deus. Quantas pessoas «boas» estão dispostas a acreditar no Senhor Jesus? A
justiça própria não é justiça absolutamente; em realidade é injustiça. Ninguém
pode jamais obedecer todas as doutrinas da santa Bíblia. Uma pessoa pode ser tanto boa quanto má, mas uma
coisa é certa: não se submete à lei de Deus. Se for má, infringe a lei; se for
boa, estabelece outra justiça fora de Cristo e deste modo passa por cima do
propósito da lei («pela lei vem o conhecimento do pecado» [3:20]).
4) «Os que estão na carne não
podem agradar a Deus» (8:8). Este é o veredicto final. Apesar de quão bom um homem possa ser, se o que faz sai dele,
não pode agradar a Deus. Deus só se compraz com seu Filho. Além dEle e de sua
obra, ninguém pode agradar a Deus. O que se faz com a carne pode parecer
perfeitamente bom, mas como vem do eu e se faz com a força natural não pode
satisfazer a Deus. O homem pode planejar muitas formas de fazer o bem, de
melhorar e de avançar, mas isso é carnal e não pode agradá-Lo. Isto ocorre não
só com os não regenerados; também é o mesmo com os regenerados. Por muito
louvável e efetivo que seja o que o crente faça com suas próprias forças, não
conseguirá a aprovação de Deus. Agradar ou desagradar a Deus não depende do
princípio do bom e do mau. Pelo contrário, Deus procura a origem de todas as
coisas. Uma ação pode ser totalmente correta, mas entretanto Deus pergunta:
«Qual é sua origem?»
Por essas referências
bíblicas podemos começar a compreender o quanto são vãos e inúteis os esforços
da carne. Um crente que veja claramente a avaliação de Deus nesta questão dificilmente
tropeçará. Como seres humanos distinguimos entre boas obras e más obras. Deus
vai mais além e faz uma distinção apoiada na origem de cada obra. A melhor das ações
da carne desagrada a Deus tanto quanto a obra mais malvada, porque as duas são
da carne. Do mesmo modo que Deus aborrece a injustiça, também aborrece a
justiça própria. As boas ações que se fazem de um modo natural, sem regeneração
ou união com Cristo ou dependência do Espírito Santo, não são menos carnais
para Deus do que a imoralidade, a impureza, a libertinagem, etc. Por muito
formosas que possam ser as atividades do homem, se não surgir de uma absoluta
confiança no Espírito Santo, são carnais e, por conseguinte, Deus as rejeita.
Deus odeia e rechaça tudo o que pertence à carne, sem ter em conta as
aparências externas, tanto se tratando de um pecador como de um santo. Seu
veredicto é: a carne deve morrer.
A experiência do crente
Mas como um crente pode ver o
que Deus viu? Deus é inflexível com a carne e todas as suas atividades, mas parece
que o crente que só rejeita seus aspectos maus e se mantém afetuosamente
abraçado à própria carne. Não a rechaça categoricamente em sua totalidade; em vez
disso continua fazendo muitas coisas na carne: toma uma atitude segura e
orgulhosa como se estivesse cheio da graça de Deus e capacitado para atuar
corretamente. Literalmente o crente se serve da carne. Por causa deste auto-engano,
o Espírito de Deus deve levá-lo pelo caminho mais vergonhoso, para que conheça
sua carne e alcance a perspectiva de Deus.
Deus permite que essa carne
caia, se debilite, e inclusive peque, para que possa compreender se há ou não
algo de bom na carne. Isso costuma ocorrer ao que pensa que está progredindo
espiritualmente. O Senhor o põe à prova para que se conheça si mesmo.
Freqüentemente o Senhor revela sua santidade de tal modo, que o crente não pode
fazer mais que considerar contaminada sua carne. Às vezes, o Senhor consente que
Satanás o ataque, para que, através do sofrimento, perceba sua condição. É uma
lição extremamente difícil e que não se aprende da noite para o dia. Só depois
de muitos anos, chega gradualmente a compreender o quão pouco confiável é sua
carne. Há impureza inclusive no melhor de seus esforços. Em conseqüência, Deus o
deixa experimentar Romanos 7 até que esteja disposto a reconhecer, como Paulo:
«Porque eu sei que em mim, isto é, em minha carne, não habita bem algum» (v.
18). Como é difícil aprender a dizer isto de modo genuíno! Se não fosse pelas
inumeráveis experiências de derrota penosa, o crente continuaria confiando em
si mesmo e considerando-se capaz. As centenas e milhares de derrotas o levam a
admitir que é impossível confiar na justiça própria e considerar-se a si mesmo
capaz. Esse tratamento enérgico, no entanto, não termina aqui. O auto-exame
deve continuar. Porque quando um cristão cessa de julgar-se a si mesmo e falha
em tratar a carne como extremamente inútil e detestável, mas assume, em vez disso,
uma atitude levemente vã e aduladora para si mesmo, então Deus se vê obrigado a
fazê-lo passar pelo fogo, a fim de consumir a escória. Poucos são os que se
humilham e reconhecem sua imundície! A menos que alguém se dê conta deste
estado, Deus não vai retirar seus toques de atenção. Como o crente não pode
livrar-se da influência da carne nem um momento, nunca deveria deixar de
exercitar o coração a julgar a si mesmo; de outra maneira logo vai recomeçar
nas jactâncias da carne.
Muitos supõem que só as pessoas
do mundo precisam ser convencidas do pecado pelo Espírito Santo, pensando
assim: Pois o Espírito Santo já não me convenceu de meus pecados para que eu
cresse no Senhor Jesus?
Mas os cristãos devem saber
que uma operação como essa do Espírito Santo é tão importante nos santos como
nos pecadores. Por necessidade, o Espírito deve convencer os santos de seus
pecados, não somente uma vez ou duas, mas sim a cada dia e incessantemente. Oxalá experimentássemos mais e mais a convicção
do pecado produzida pelo Espírito Santo, para que nossa carne pudesse ser posta
sob julgamento de modo incessante e nunca lhe permitíssemos reinar! Que não
percamos, nem mesmo por um momento, a idéia verdadeira do que é nossa carne e
da avaliação que Deus faz dela. Que nunca acreditemos em nós mesmos, e nunca mais
confiemos em nossa carne, sabendo que isso jamais pode agradar a Deus.
Confiemos sempre no Espírito
Santo, e em nenhum momento cedamos o nem um mínimo espaço ao eu.
Se jamais houve no mundo alguém
que pudesse se gabar de sua carne, esta pessoa tinha que ser Paulo, porque
quanto à justiça que é da lei era irrepreensível. E se alguém podia se gabar de
sua carne depois da regeneração, certamente tinha que ser também Paulo, porque
tinha passado a ser um apóstolo, havia visto com seus próprios olhos ao Senhor
ressuscitado, e era usado grandemente pelo Senhor. Mas sua experiência de Romanos 7 o capacitara
a compreender plenamente quem é. Deus abriu
seus olhos para que visse, pela experiência, que em sua carne não habitava o bem,
só o pecado. A justiça própria de que se tinha orgulhado no passado, soube que
é só lixo e pecado. Aprendeu esta lição, e a aprendeu bem; daí que não se atreveu
a confiar mais na carne. Mas Paulo não parou aí, de modo algum. Não. Paulo continuou
aprendendo. E, assim, o apóstolo declara que não «confiamos na carne. Se bem
que eu poderia até confiar na carne. Se algum outro julga poder confiar na
carne, ainda mais eu.» (Fp. 3:3,4). Apesar das muitas razões que pôde enumerar
para confiar em sua carne (vs. 5,6), Paulo se dá conta de como Deus a vê e
entende muito bem que é indigna de confiança e que não pode confiar-se nela
absolutamente. Se seguimos lendo Filipenses 3 descobriremos o quanto Paulo é humilde
em relação a confiar em si mesmo. «Não tendo minha própria justiça» (v. 9); «
para ver se de algum modo posso chegar à ressurreição dentre os mortos. » (v.
11); « N , ou que seja perfeito; mas vou prosseguindo, para ver se poderei
alcançar aquilo para o que fui também alcançado por Cristo Jesus » (v. 12).
Se um crente aspirar alcançar
a maturidade espiritual, deve preservar sempre esta atitude que o apóstolo
Paulo apresenta ao longo do caminho espiritual; ou seja: «não que já a tenha
alcançado». O cristão não deve atrever-se a ter a menor confiança em si mesmo,
satisfação e gozo em si mesmo, pensando que pode confiar em sua carne.
Se os filhos de Deus se
esforçarem sinceramente em alcançar a vida mais abundante e estiverem dispostos
a aceitar a avaliação que faz Deus da carne, não terão a si mesmos em maior estima
que aos demais, por maior que seja seu progresso espiritual. Não vão dizer
palavras como: «Naturalmente, eu sou diferente dos outros.» Se esses crentes
estiverem dispostos a permitir que o Espírito Santo lhes revele a santidade de
Deus, e não temerem que claramente lhes exponha sua corrupção, então chegarão a
perceber, pelo Espírito, sua corrupção de um tempo prévio, possivelmente com
uma diminuição posterior nas experiências penosas de derrota.
Entretanto, quão lamentável é
que, mesmo quando a intenção da pessoa seja de não confiar na carne, apareça
por baixo da superfície alguma pequena impureza porque essa pessoa ainda crê
que tem alguma força. Em vista disto, Deus tem que lhe permitir encontrar-se em
várias derrotas, a fim de eliminar até a mais leve confiança em si mesmo.
A cruz e a obra mais profunda do Espírito
Santo
Como a carne é grosseiramente
enganosa, o crente requer a cruz e o Espírito Santo. Uma vez que tenha discernido
o que Deus pensa da carne, deve experimentar a cada momento a obra mais
profunda da cruz por meio do Espírito Santo. Tal como um cristão deve ser libertado
do pecado da carne por meio da cruz, também deve agora ser liberto da justiça
da carne por meio da mesma cruz. E tal como andando no Espírito Santo o cristão
não vai seguir a carne para o pecado, assim também andando no Espírito Santo
não vai seguir a carne para a justiça própria.
Como um fato que se encontra
fora do crente, a cruz foi consumada de modo perfeito e completo; aprofundar o
assunto aqui é impossível. Mas, como um processo dentro do crente, a cruz é
cada vez experimentada de forma mais profunda; o Espírito Santo vai ensinar e
aplicar o princípio da cruz em um ponto atrás do outro. Se a gente for fiel e
obediente vai ser guiado continuamente a experiências mais profundas do que a
cruz realizou já nele. A cruz, objetivamente, é um fato absoluto, ao qual não
se pode acrescentar nada; mas subjetivamente é uma experiência progressiva e sem
fim que pode ser realizada de uma forma cada vez mais penetrante.
O leitor, a estas alturas,
deveria conhecer algo mais do caráter completamente abrangente do fato de ter
sido crucificado com o Senhor Jesus na cruz; porque só sobre esta base o
Espírito Santo pode atuar. O Espírito não tem outro instrumento para atuar do que
a cruz. O crente deve agora já ter uma nova compreensão de Gálatas 5:24. Não se
trata só de «suas paixões e desejos» que foram crucificados; a própria carne,
incluindo toda sua justiça assim como seu poder de operar justamente, foi
crucificada na cruz. A cruz é o lugar em que as paixões e os desejos — e a mola
que ativa estas paixões e desejos — são crucificados, por admiráveis que possam
parecer. Só no caso que alguém ver isso e estar disposto a negar toda sua
carne, boa ou má, pode, de fato, andar conforme o Espírito Santo, agradar a
Deus e viver uma vida espiritual genuína. Esse "estar disposto" não
deve faltar, por sua parte, porque embora a cruz, como um fato consumado, seja completa
em si mesma, sua realização na vida de uma pessoa é medida pelo conhecimento,
pela preparação e pela fé da mesma.
Suponhamos que o filho de
Deus recuse renegar o que houver bom de sua carne.
Qual será sua experiência?
Sua carne pode parecer extremamente sábia e poderosa em numerosas atividades e empreendimentos.
Mas, por boa e forte que seja, a carne não pode responder nunca às demandas de
Deus. Daí que quando Deus o chama realmente a preparar-se para ir ao Calvário e
sofrer, o cristão logo descobre que sua única resposta é retrair-se e ficar
mais fraco que a água. Por que os discípulos falharam de modo tão lamentável no
Jardim do Getsêmani? Porque «o espírito na verdade estava pronto, mas a carne
era fraca» (Mt. 26:41). A fraqueza aqui causa falhas ali. Aparentemente, a
carne só pode desdobrar seu grande poder, em questões que se adaptam a seus
gostos. Por esta razão, a carne se retrai diante da chamada de Deus. Sua morte,
pois, é essencial, de outro modo nunca se poderá fazer a vontade de Deus.
Tudo o que fazemos tem por
intenção a ostentação própria, com o objetivo de ser visto e admirado por
outros que pertencem à carne. Há bem natural assim como mal natural nesta
carne.
João 1:13 nos informa da «vontade»
da carne. A carne pode querer e decidir e fazer planos para executar atos bons
a fim de receber o favor de Deus. Mas ainda pertence à carne humana e por isso
deve ir à cruz.
Colossenses 2:18 fala da «mentalidade»
de sua carne. A confiança de um cristão em si mesmo não é nada mais que confiar
em sua sabedoria, pensando que conhece cada um dos ensinamentos das Escrituras
e como servir a Deus.
E 2 Coríntios 1:12 menciona a
«sabedoria» da carne. É altamente perigoso aceitar as verdades da Bíblia com
sabedoria humana, porque este é um método escondido e sutil que invariavelmente faz que o crente aperfeiçoe
com sua carne a obra do Espírito Santo. Uma verdade preciosa pode ser
entesourada de modo seguro na memória; no entanto, é meramente na mente da
carne! Só o Espírito pode vivificar; a carne não aproveita nada. A menos que
todas as verdades sejam vivificadas continuamente pelo Senhor, não produzem
benefício nem para nós nem para outros. Não estamos discutindo o pecado aqui, mas
sim a conseqüência inevitável da vida natural no homem. Tudo o que é natural
não é espiritual. Não só temos que negar nossa justiça mas também nossa
sabedoria. Esta deve ser cravada na cruz também.
Colossenses 2:23 nos fala de
uma «devoção» ou reputação de sabedoria da carne. Isto é «adoração» ou «culto»,
na nossa opinião. Cada método que imaginamos para estimular, procurar ou adquirir
um sentido de devoção é culto na carne. Não é nem adoração segundo o ensino das
Escrituras, nem adoração sob a direção do Espírito Santo. Daí que existe sempre
a possibilidade de andar pela carne; tanto na questão da adoração, como na obra
cristã, ou no conhecimento da Bíblia, ou no salvar almas.
A Bíblia menciona com
freqüência a «vida» da carne. A menos que seja rendida à cruz, vive tanto dentro
do santo como do pecador. A única diferença é que no santo há oposição
espiritual a ela. Mas fica para ele a possibilidade de pegar essa vida e tirar
recursos, fazer uso dela. A vida da carne pode ajudar a servir a Deus, a
meditar sobre a verdade, a consagrar-se ao Senhor. Pode motivar a executar
muitos atos bons. Sim, o cristão pode tomar sua vida natural como verdadeira
vida, de tal maneira que lhe dá a impressão de que está servindo a vontade de
Deus.
Temos que entender que dentro
do homem há dois princípios de vida diferentes. São muitos os que vivem uma
vida mista, obedecendo a um destes preceitos agora, e depois ao outro. Algumas
vezes dependemos totalmente da energia do Espírito; em outras ocasiões misturamos
nossa própria força. Não há nada que pareça estável e firme. «Faço-o segundo a
carne, para que haja comigo o sim, sim e o não?» (2Co. 1:17). Uma
característica da carne é sua volubilidade: alterna entre o Sim e o Não, e
vice-versa. Mas a vontade de Deus é: «que não andemos segundo a carne, mas
segundo o Espírito» (Rm. 8:4).
«Nele também fostes
circuncidados com a circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da
carne, a saber, a circuncisão de Cristo» (Cl. 2:11). Deveríamos estar dispostos
a permitir à cruz que, como uma faca na circuncisão, cortasse completamente
tudo o que pertence à carne. Uma incisão assim deve ser profunda e cortante de
modo que não fique nada da carne escondido ou à vista. A cruz e a maldição são inseparáveis
(Gl. 3:13). Quando consignamos nossa carne à cruz a entregamos a maldição,
reconhecendo que na carne não há nada bom e que não merece nada a não ser a
maldição de Deus. Sem esta atitude no coração é extremamente difícil que nós
aceitemos a circuncisão da carne. Todo afeto, desejo, pensamento, conhecimento,
intenção, adoração e obra da carne deve ir para a cruz.
Ser crucificado com Cristo
significa aceitar a maldição que nosso Senhor aceitou. Não foi um momento
glorioso para Cristo ser crucificado no Calvário (At. 12:2). Seu corpo foi pendurado
no madeiro, o que significava ser maldito de Deus (Dt. 21:23). Como
conseqüência, que a carne seja crucificada com o Senhor implica simplesmente
ser maldito pelo Senhor. Tal como temos que receber a obra consumada de Cristo
na cruz, assim também temos que entrar na comunhão da cruz. O crente deve
reconhecer que sua carne não merece outra coisa senão a maldição da morte. Sua
comunhão prática com a cruz começa depois que vê a carne tal como Deus a vê.
Antes que o Espírito Santo possa encher plenamente uma pessoa, tem que haver
uma entrega completa da carne à cruz. Oremos para que possamos saber exatamente
o que é carne e como tem que ser crucificada.
Irmãos, não somos bastante
humildes para aceitar de boa vontade a cruz de Cristo! Resistimos em admitir
que somos impotentes, inúteis e totalmente corruptos até o ponto que não
merecemos nada a não ser a morte. O que falta hoje não é viver melhor, mas sim
morrer melhor! Temos que morrer uma boa morte, uma morte consciente.
Falamos bastante sobre a
vida, o poder, a santidade, a justiça; falemos agora sobre a morte!
Oh, que o Espírito Santo
penetre em nossa carne profundamente pela cruz de Cristo, para que possa chegar
a ser uma experiência válida em nossa vida!
Se morrermos corretamente,
viveremos corretamente. Se estivermos unidos com Ele em sua morte, certamente estaremos
unidos com Ele em sua ressurreição. Peçamos ao Senhor que abra nossos olhos para
que possamos ver o imperativo absoluto da morte. Está preparado para isto? Está
disposto a permitir que o Senhor mostre suas fraquezas? Está disposto a ser
crucificado abertamente fora da porta? Vai deixar que o Espírito da cruz atue
dentro de você?
Oh, que saibamos mais de sua morte!
Que possamos morrer por
completo!
Deveríamos ter bem clara a
idéia de que a morte da cruz é contínua em sua operação. Não podemos entrar
nunca em um estágio de ressurreição que deixe a morte totalmente de fora,
porque a experiência da ressurreição se mede pela experiência da morte. Um
perigo que há entre os que perseguem a vida de ascensão é que se esquecem da
necessidade categórica de reduzir continuamente a carne a nada. Abandonam a
posição da morte e avançam a de ressurreição. Isto tem como resultado, ou
tratar levianamente as obras da carne, como se não houvesse um risco sério para
o crescimento espiritual, ou espiritualizá-las, isto é, assumir que as coisas
da carne são do espírito.
É essencial que vejamos que a
morte é o fundamento de tudo! O reino chamado ressuscitado e ascendido será
irreal se não se mantiver continuamente a morte da carne. Não nos enganemos pensando
que somos tão avançados espiritualmente que a carne já não tem poder para nos
seduzir. Essa é tão somente a intenção do inimigo de nos apartar da base da
cruz com o objetivo de nos fazer carnais interiormente e espirituais por fora.
Muitas orações do tipo de «Te dou graças, Senhor, porque já não sou isto ou
aquilo, mas isto outro agora», são simplesmente ecos da oração inaceitável que
se registra em Lucas 18:11,12. Somos suscetíveis ao engano por parte da carne
quando estamos a ponto de sermos tirados dela. Temos que permanecer
constantemente na morte do Senhor.
Nossa segurança se acha no
Espírito Santo. O caminho seguro está em nossa boa disposição para sermos
ensinados, temerosos de que do contrário cedamos terreno à carne. Temos que nos
submeter alegremente a Cristo e confiar no Espírito Santo para que nos aplique
a morte de Jesus, para que possa ser ostentada em nós a vida de Jesus. Tal como
antes estávamos cheios da carne, agora seremos cheios do Espírito Santo. Quando
Ele tenha controle completo, vamos derrotar o poder da carne e manifestar
Cristo em nossa vida. Poderemos então dizer que «a vida que agora vivo na
carne, não a vivo eu, mas Cristo que vive em mim». Entretanto, o fundamento dessa
vida é e foi sempre o «fui crucificado com Cristo» (Gl. 2:20).Se vivermos por
fé e obediência podemos esperar que o Espírito faça uma obra extremamente Santa
e maravilhosa em nós.
«Se vivemos pelo Espírito,
andemos também pelo Espírito.» (Gl. 5:25).
Deveríamos simples e descansadamente
acreditar que nosso Senhor nos deu seu Espírito e que agora habita em nós.
Creiamos em seu dom e
confiemos que o Espírito Santo habita em nós. Tenhamos isto como o segredo da
vida de Cristo em nós: seu Espírito reside no mais profundo de nosso espírito.
Meditemos nisso, creiamos
nisso, e recordemo-lo até que esta verdade gloriosa produza em nós um temor e
assombro santos de que o Espírito Santo habita realmente em nós!
Agora aprendamos a seguir sua
direção. Esta direção não surge da mente ou dos pensamentos; é algo da vida.
Temos que ceder diante de Deus e deixar que seu
Espírito governe tudo. Ele vai
manifestar o Senhor Jesus em nossa vida, porque esta é sua missão e tarefa.
Palavras de exortação
Se permitirmos ao Espírito de
Deus que faça uma obra mais profunda por meio da cruz, nossa circuncisão vai
ser cada vez mais real.
«Porque a circuncisão somos
nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não
confiamos na carne.» (Fp. 3:3).
Essa confiança na carne foi abandonada
por meio da circuncisão executada não por mãos. O apóstolo faz do glorificar-se
em Cristo Jesus o centro de tudo. Explica-nos que há perigo por um lado, mas
segurança por outro. Pôr a confiança na carne tende a destruir o glorificar-se
em Cristo Jesus, mas o adorar em espírito nos dá o gozo bem-aventurado da vida
e a verdade. O Espírito Santo eleva ao Senhor Jesus, mas humilha a carne. Se de
modo genuíno desejamos nos glorificar em Cristo e lhe permitir que assegure sua
glória em nós, temos que receber a circuncisão da cruz e aprender a adorar no
Espírito Santo. Não sejamos impacientes, porque a impaciência é da carne.
Não experimentem métodos
diferentes, porque só são úteis para ajudar a carne. Temos que desconfiar da
carne inteiramente, por boa e capaz que seja. Temos que confiar, em troca, no
Espírito Santo e nos submetermos somente a Ele. Com esse tipo de confiança e
obediência, a carne será conservada em humildade em seu próprio lugar de
maldição e, em conseqüência, perderá todo seu poder. Que Deus seja
misericordioso conosco para que não coloquemos nossa confiança na carne; sim,
que possamos olhar para nós mesmos e reconhecer quão pouco digna de confiança e
quão inútil e estéril é nossa carne. Esta é uma morte muito real. Sem ela não
pode haver vida.
«Não usem a liberdade como
pretexto para a carne» (Gl. 5:13).
Obtivemos liberdade no
Senhor; não devemos dar, pois, nenhuma oportunidade à carne, porque seu lugar apropriado
é a morte. Não concebamos de modo inconsciente a atividade do Espírito Santo
como se fosse a nossa própria, mas sim estejamos sempre em guarda para que a
carne não possa reviver. Não usurpemos a glória de um triunfo e com isso
proporcionemos à carne uma oportunidade para voltar a empreender suas operações.
Não nos tornemos confiantes demais por causa de nossas poucas vitórias; se o
fizermos, nossa queda será maior. Quando tiver aprendido a vencer a carne e
esta já tenha perdido seu poder, não imagine nunca que a partir de então já tem
o triunfo definitivo sobre ela. Se não depender do Espírito Santo, logo vai
estar uma vez mais envolvido em experiências penosas. Com santa diligencia deve cultivar uma atitude de
dependência, pois de outro modo vai ser o alvo dos ataques da carne. Quanto
menos orgulho ostente, menos oportunidades terá a carne. O apóstolo,
imediatamente depois de dar seu ensinamento sobre a crucificação da carne e o
andar no Espírito, diz: «Não nos tornemos vangloriosos» (Gl. 5:26). Se reconhecer
humildemente quão inútil é diante de Deus, não vai tentar se envaidecer diante
dos homens.
Suponhamos que dissimule a
fraqueza de sua carne diante dos homens a fim de receber glória. Não estará,
sem se aperceber, dando ocasião à carne para sua atividade? O Espírito Santo
pode nos ajudar e nos fortalecer, mas Ele mesmo não vai nos substituir na
realização daquilo que é nossa responsabilidade. Portanto, para cumprir esta
responsabilidade, nós, por um lado, temos que manter uma atitude que não dê ocasião
alguma à carne; mas por outro lado temos que pôr essa atitude realmente em prática
quando sejamos chamados a negar a carne em todas as realidades de nosso afazer
diário.
«Não tenhais cuidado da carne
em suas concupiscências», admoesta Paulo (Rm. 13:14). Para que a carne possa
operar, necessita uma oportunidade ou ocasião. É por isso que não devemos
proporcionar-lhe essa oportunidade Se a carne tiver que ser mantida no lugar de
maldição, temos que estar sempre alerta. Temos que examinar nossos pensamentos
continuamente para ver se albergarmos presunção ou não, porque, certamente, uma
atitude assim dará uma grande oportunidade à carne. Nossos pensamentos são
muito importantes aqui, porque o que acontece no segredo de nossa vida
intelectual vai irromper ao exterior abertamente em palavras e feitos. A carne
não deve ter nenhuma oportunidade nem base.
Inclusive quando conversamos
com outros, temos que estar atentos para que nas muitas palavras a carne não
ache oportunidade para executar sua obra. É possível que nós gostemos de dizer
muitas coisas, mas se estas coisas não são enviadas pelo Espírito Santo é
melhor não dizê-las. O mesmo se aplica a nossos atos. A carne pode elaborar
muitos planos e métodos e estar cheia de expectativas. Tem opiniões, poder e
habilidade. Aos outros, e inclusive a nós mesmos, todas elas podem aparecer
como dignas de elogio e aceitáveis. Mas sejamos bastante ousados para as
destruir, inclusive as melhores delas, por temor de infringir o mandamento do
Senhor. O melhor que a carne tem para oferecer deve ser entregue de modo inexorável
à morte, pela simples razão de que pertence à carne. A justiça da carne é tão aborrecível
como o pecado. Seus atos bons deveriam ser objeto de arrependimento por nossa
parte com a mesma humildade que se fossem atos pecaminosos. Sempre temos que
ter em conta o ponto de vista que tem Deus da carne.
Em caso de falharmos, temos
que nos auto-examinar.
Terceira Parte
A Alma
1. A
libertação do pecado e a vida da alma
O modo da libertação
Romanos 6 estabelece o
fundamento da libertação do pecado para o cristão.
Deus proporciona essa libertação
a todo crente; todos podem entrar nela. Além disso, deve ficar perfeitamente
claro que essa libertação do poder do pecado pode ser experimentada no exato
momento em que um pecador aceita ao Senhor Jesus como Salvador e nasce de novo.
Não tem que esperar ser um crente a muitos anos e ter sofrido uma multidão de
derrotas antes que possa receber esse evangelho. A demora em aceitar o
evangelho, segundo Romanos 6 é devida, ou a ter ouvido um evangelho incompleto,
ou à má vontade de aceitá-lo por completo e render-se a ele de modo total. Na realidade,
essa bênção deveria ser posse comum de todos os cristãos nascidos de novo.
O capítulo 6 começa com uma
chamada a recordar, não a antecipar. Dirige nossa atenção ao passado, ao que já
é nosso.
«Sabendo isto, que o nosso
homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito,
a fim de não servirmos mais ao pecado» (v. 6).
Neste versículo achamos três
elementos principais:
1) «pecado» (singular em
número);
2) «velho homem»; e
3) «corpo» (o corpo do
pecado).
Esses três elementos são de
naturezas muito diferentes e representam papéis únicos no ato de pecar. O
pecado, aqui, é o que usualmente é chamado a raiz do pecado. A Bíblia nos
informa que antes fomos escravos do pecado. O pecado era nosso amo. Primeiramente,
pois, temos que reconhecer que o pecado possui poder, porque nos faz escravos.
Emite este poder de modo incessante para nos arrastar a obedecer a seu velho
homem, de modo que possamos pecar.
O velho homem representa a
soma total de tudo o que herdamos de Adão. Podemos reconhecer o velho homem
sabendo o que é o novo homem, porque tudo o que não é do novo homem deve
pertencer ao velho. Nosso novo homem abrange tudo o que flui como novo do
Senhor quando tem lugar nossa regeneração. Daí que o velho homem dá evidência
de tudo o que em nossa personalidade está fora da nova personalidade, ou seja,
tudo o que pertence à velha natureza.
Pecamos porque esse velho
homem ama o pecado e está sob seu poder. Quanto ao corpo do pecado, refere-se a
esse nosso corpo. Esta parte corporal do homem passou a ser um ator ou boneco
de todo nosso pecar. É chamado o corpo do pecado porque está submetido desde
modo ao poder do pecado, carregado plenamente com os desejos carnais e de
pecado.
E é por meio deste corpo que
o pecado consegue expressar-se, pois de outro modo seria um poder invisível.
Para recapitular, pois, o pecado é o poder que nos arrasta a pecar. O velho
homem é a parte não corporal que herdamos de Adão. O corpo de pecado é o
elemento corporal que herdamos de Adão. O processo de pecar segue esta ordem: primeiro,
o pecado; em seguida, o velho homem; finalmente, o corpo.
O pecado exsuda seu poder
para atrair o homem e induzi-lo a pecar. Como o velho homem se deleita no
pecado, comuta o pecado e se amolda a ele, instiga o corpo a pecar. Pelo que o
corpo serve como um boneco e na realidade pratica o pecado. É por meio do empreendimento
conjunto destes três elementos que se comete o pecado. Presentes em todo tempo temos
a compulsão do poder do pecado, a inclinação do velho homem, e a prática do
corpo.
E agora, como pode o homem
ser liberto do pecado?
Alguns teorizam que como o
pecado é a primeira causa, deve ser aniquilado a fim de obter a vitória; em
conseqüência advogam pela «extirpação do pecado». Uma vez arrancada a raiz do
pecado — acreditam eles —, nunca mais vamos pecar e, evidentemente, seremos
santificados.
Outros
dizem que devemos submeter o corpo se desejamos vencer o pecado, pois não é
nosso corpo — dizem — o que pratica o pecado? Assim, surgiu na Cristandade um
grupo de pessoas que fomentam o ascetismo. Usam muitas técnicas para suprimir-se
a si mesmos, porque consideram que uma vez tenham vencido as demandas de seu
corpo, serão santos.
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