domingo, 10 de fevereiro de 2013


Abuso sexual: O longo caminho da superação

Aumentam as denúncias de violência contra crianças e adolescentes, mas ainda é preciso avançar no atendimento às vítimas e na punição dos culpados

Natália Martino
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"Eu sabia que era errado porque ele me pedia que não contasse a
ninguém e porque nenhum outro adulto fazia aquilo comigo"

L., que foi abusada pelo avô
Ao o romper o silêncio e contar, na tevê, ter sido vítima de abuso sexual na infância, a apresentadora Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, jogou luz sobre um tema que somente agora a sociedade começa a encarar de frente. O resultado mais imediato do depoimento foi o aumento de ligações para o Disque Direitos Humanos, o Disque 100. Nos dois dias seguintes ao seu desabafo, no domingo 20, o principal canal de denúncias de violência contra crianças e adolescentes recebeu 285 mil ligações, 30% a mais do que nos mesmos dias da semana anterior. Um pico como esse é raro, mas o histórico do Disque 100 mostra um crescimento do número de ligações ano a ano (leia quadro), reflexo do maior conhecimento das pessoas sobre o tema. O primeiro passo para resolver o problema é saber suas proporções, mas o caminho até a superação do trauma por parte da vítima e a punição de seu algoz é longo. E nisso o Brasil está apenas engatinhando.

As denúncias chegam, em geral, por conhecidos das vítimas, raramente pelas pessoas abusadas. “Por um misto de medo e culpa, muitas delas passam décadas sem compartilhar a dor com ninguém”, explica a psicóloga Elizabeth Vieira Gomes, do Comitê Nacional de Enfrentamento de Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Xuxa levou mais de 30 anos para assumir publicamente os abusos. O silêncio de L. durou 12 anos. “Eu tinha medo de ninguém acreditar em mim, ele era uma pessoa em quem todos confiavam”, conta. Ela não tinha mais de 4 anos quando o avô lhe disse “olha o que eu tenho aqui, é diferente do que você tem”, e lhe mostrou seu órgão sexual. A carioca de 31 anos não se lembra de detalhes desse dia, mas tem recordações claras das carícias sexuais que ele lhe fez aos dez anos. “Eu sabia que era errado porque ele me pedia que não contasse a ninguém e porque nenhum outro adulto fazia aquilo comigo”, diz. Só aos 16 anos ela confessou o ocorrido à mãe. “Passei esse tempo nutrindo ódio pelo meu avô sem nunca revelar a razão”, diz ela.

As reações de descrença em Xuxa manifestadas nas redes sociais também acontecem com anônimos. Muitas vezes, por parte de quem deveria ajudar a vítima. “É comum os médicos e os policiais dizerem que tudo não passou de ‘sem-vergonhice’ da pessoa que sofreu o abuso”, afirma Waldemar Oliveira, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan da Bahia (Cedeca). Em alguns hospitais do País, porém, a situação é diferente. No Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, funciona há dez anos o Núcleo de Assistência à Vítima de Violência Sexual (Navis). Trata-se de um grupo formado por enfermeiros, assistentes sociais e médicos de várias especialidades que se empenham em prestar atendimento rápido e eficiente a quem precisa. “Os casos de violência sexual exigem muita sensibilidade”, diz a médica Ivete Boulos, coordenadora do Núcleo. As vítimas, e, às vezes, alguns familiares, também recebem acompanhamento psicológico por, no mínimo, seis meses.

“O médico precisa estar preparado para fazer o primeiro acolhimento, pois os remédios que podem prevenir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) só são eficientes nas 72 horas posteriores à agressão”, diz Ivete. Segundo ela, há pessoas que chegam anos depois de terem sofrido a violência e são diagnosticadas com doenças como sífilis e vários problemas psicológicos. Em outros casos, pais levam os filhos para tratar problemas de saúde e os médicos detectam a existência de DSTs. Serviços desse tipo também existem em cidades como Ribeirão Preto, Campinas, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia, mas ainda não estão presentes na maior parte do País.

Nas esferas legislativa e jurídica também são necessárias adaptações. O avanço mais recente foi a sanção da lei que define que o tempo de prescrição do crime de abuso sexual conta a partir dos 18 anos da vítima. No campo jurídico, as mudanças começaram na década de 1990 com a criação de varas especializadas em infância e juventude. “Nas varas comuns, o objetivo é prender o suspeito, nas especializadas a prioridade é acolher as vítimas”, explica Lélio Ferraz de Siqueira Neto, promotor de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo. Para isso, os membros recebem treinamentos especiais e até alguns dos processos são revistos. Em São Paulo, a criança presta depoimento uma única vez e não precisa repetir a história para o delegado, depois para o promotor e assim por diante.

Essas varas especializadas agilizam o julgamento dos casos. De acordo com levantamento realizado pelo Cedeca da Bahia, antes da criação da primeira vara especial do Estado, em 1997, a maioria dos processos de abusos sexuais demorava tanto tempo para ser julgada que prescrevia. Com as varas especializadas, o problema praticamente acabou e o tempo de tramitação, que antes variava entre seis e dez anos, passou a ser, no máximo, de dois anos. No entanto, ainda existem pouquíssimas dessas varas no País. A média é de um juiz especializado para atender quase 400 mil pessoas. Essa deficiência, aliada à dificuldade em se conseguir provas de uma agressão que acontece, na maioria das vezes, dentro da casa das vítimas, resulta em um enorme número de casos sem solução. É preciso mudar essa realidade.
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O corajoso relato da apresentadora Xuxa Meneghel, de que foi abusada sexualmente durante a infância e o começo da adolescência [veja abaixo], tem recebido elogios de autoridades e especialistas, mas também críticas de alguns colunistas de veículos de mídia.
Logo após ter feito a revelação, feita no programa Fantástico, da Rede Globo, Xuxa recebeu várias mensagens de solidariedade e pedidos de entrevista. Em seguida, postou em sua conta no Facebook:
“Oi gente, muito obrigada por toda essa demonstração de carinho. Eu não me sinto bem falando mais desse assunto. Espero que vcs entendam e aceitem minha decisão. Eu não quero mais falar. Eu queria ajudar crianças que passam ou passaram pelo que eu passei, que elas falem, denunciem, não fiquem se sentindo culpadas. Mães, ouçam seus filhos e acreditem em tudo que eles falam, prestem atenção se eles mudarem em alguma coisa. Meu sonho é que um dia nenhuma criança sofra qualquer tipo de violência doméstica. Quando a gente sonha sozinho a gente chega longe,mas quando a gente sonha com muita gente, chega mais rápido e muito mais longe!.” Xuxa comenta em seu Facebook sobre repercussão de entrevista ao ‘Fantástico’ (Estadão.com – 21/05/2012)
Além de comentários diretamente relacionados à revelação de Xuxa, a notícia também estimulou a imprensa a dar atenção ao tema da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Veja as principais repercussões da declaração da apresentadora na imprensa:
‘É preciso dizer a garotas que sofrem abuso, como Xuxa, que a culpa não é delas, é de homens obscenos.’ - Pesadelo de menina, por Debora Diniz (O Estado de S. Paulo – 27/05/2012)
Xuxa, por Marta Suplicy (Folha de S.Paulo – 26/05/2012)
Xuxa e a doença do coração de pedra, por Cristiane Segatto (Época – 25/05/2012)
Abuso sexual: O longo caminho da superação (IstoÉ – 25/05/2012)
O passado de Xuxa (IstoÉ – 25/05/2012)
Após revelação de Xuxa, Disque 100 recebe 285 mil ligações (G1 – 23/05/2012)
Abuso sexual: Veja a força de Xuxa e do ‘Fantástico’, da TV Globo. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 220 mil ligações, desde domingo, depois que a apresentadora disse ter sofrido violência sexual quando era criança. É um recorde de denúncias.” (Coluna de Ancelmo Gois – O Globo – 23/05/2012)
Caso Xuxa e aprovação de lei sobre pedofilia provocam crise em Joanna Maranhão (UOL Notícias – 23/05/2012)
Sasha foi avisada sobre entrevista polêmica de Xuxa (R7 Notícias – 22/05/2012)
Violência doméstica: Xuxa reacende importância de denunciar abusos (SRZD – 22/05/2012)
CPI sobre exploração sexual quer ouvir Xuxa (UOL Notícias – 22/05/2012)
Abuso sexual é o 2º tipo mais comum de violência contra crianças, diz Saúde (G1 – 22/05/2012)
Violência sexual, por Sonia Racy (Estadão.com – 22/05/2012)
Ministra destaca coragem de Xuxa ao revelar estupro (O Estado de S. Paulo – 22/05/2012)
Em quatro meses, Disque 100 recebe três mil denúncias de abuso infantil (O Globo – 22/05/2012)
Declarações de Xuxa auxiliam campanhas de combate ao abuso infantil, avaliam especialistas (UOL Notícias – 22/05/2012)
Análise: Na violência sexual, silêncio é a atitude mais comum, por Rosely Sayão (Folha de S.Paulo – 22/05/2012)
Abuso relatado por Xuxa não pode mais ser punido (Folha de S.Paulo – 22/05/2012)
Claudio Manoel sai em defesa de Xuxa no Twitter (Folha de S.Paulo – 22/05/2012)
Apresentadora faz da TV confessionário, por Keila Jimenez (Folha de S.Paulo – 22/05/2012)
Famosas que revelaram ter sofrido abuso sexual (R7 Notícias – 22/05/2012)
País tem poucas salas especiais para ouvir crianças vítimas de estupro (G1 – 22/05/2012)
A ferida, por Eliane Cantanhêde (Folha de S.Paulo – 22/05/2012)
Ministra Maria do Rosário diz que Xuxa teve atitude de coragem ao revelar abuso na infância (G1 – 21/05/2012)
Senador convida Xuxa para ato de assinatura de lei contra pedófilos (Terra – 21/05/2012)
Sobre o depoimento de Xuxa, por Bruno Astuto (Época – 21/05/2012)
A coragem de Xuxa, por Walcyr Carrasco (Época – 20/052012)
Irmão soube dos abusos sofridos por Xuxa pelo ‘Fantástico’ (O Globo – 21/05/2012)

(O Estado de S. Paulo) A apresentadora Xuxa Meneghel, de 49 anos, disse ontem ao Fantástico, da Rede Globo, que foi abusada sexualmente durante a infância e o começo da adolescência. “Com 13 anos foi a última vez”, declarou. Segundo ela, os abusos ocorreram “várias vezes” e seu pais não foram avisados porque ela tinha medo de contar.
“Tinha medo de falar para o meu pai e meu pai achar que era eu que estava fazendo isso, porque uma vez foi com o melhor amigo dele, o cara que queria ser meu padrinho. Eu não podia falar com a minha mãe, porque uma das vezes foi com o cara que ia casar com a minha avó, mãe dela. Então a errada era eu? Eu não sabia o que era. E os professores. O professor chegou para mim e falou: ‘Não adianta você falar porque entre a palavra de um professor e um aluno eles vão acreditar no professor.’ E até hoje, se você me perguntar, ainda acho que foi por minha culpa”, relatou.
A revelação foi feita no quadro ‘O que vi da vida’, no qual personalidades fazem um apanhado de sua história. O depoimento de Xuxa durou 25 minutos.
[Assista ao vídeo exibido no programa Fantástico]
O assunto foi detalhado quando a apresentadora falava sobre suas ações com crianças moradoras de rua. Ela disse ter ouvido histórias de crianças que foram para as ruas para fugir de abusos sexuais e disse que sabia o que elas tinham passado. “Eu fui abusada. Eu sei o que é, o que uma criança sente. A gente sente vergonha, a gente não quer falar sobre isso, acha que a gente é culpada”, disse. “Tinha vergonha, me calava, me sentia mal, me sentia suja. Se não tivesse o amor da minha mãe, teria ido embora.”
Xuxa disse que não lembra quando aconteceu o primeiro caso. “Não lembro direito, porque era muito nova. Me lembro do cheiro, tinha cheiro de álcool e eu não sei quem foi. Depois, aconteceram muitas vezes.”
Xuxa chorou várias vezes durante o depoimento e disse que se questionava se isso acontecia por algo que ela tinha, ou pelo modo como se vestia. “Pelo fato de eu ser muito grande, (pelo fato de) eu chamar a atenção.”
Xuxa não disse se chegou a procurar a polícia ou buscou outras formas de punir as pessoas que abusaram dela nem comentou se o assunto foi discutido com os pais mais tarde. “O cara, o adulto, o homem, a mulher, a pessoa que faz isso sabe o que faz. Mas a criança não”, afirmou, acrescentando que os pais poderiam ter notado que, às vezes, ela ficava calada após os abusos.
Durante a entrevista, a apresentadora ainda falou sobre seus relacionamentos passados, como com o jogador de futebol Pelé e o piloto Ayrton Senna – que ela disse ter sido o grande amor de sua vida. Ainda abordou a dificuldade de encontrar companheiros atualmente, disse que não se acha bonita e relacionou esse sentimento aos abusos sofridos.
Acesse o pdf: Xuxa revela na TV ter sofrido abuso sexual até os 13 anos (O Estado de S. Paulo – 21/05/2012)



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