quinta-feira, 15 de março de 2012


O dilema da poupança

O governo é pressionado a mexer na rentabilidade da aplicação preferida dos brasileiros, mas não sabe como escapar do ônus político da decisão

Adriana Nicacio
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CAUTELA
Guido Mantega, da Fazenda: técnicos do ministério evitam falar
dos estudos em andamento para mudar as regras da caderneta
Se as taxas de juros continuarem em queda, o mercado financeiro prevê que o governo será obrigado a mexer na rentabilidade da caderneta de poupança. No Planalto, discute-se se e como a alteração será feita e o timing político mais adequado. O assunto é tratado com a máxima discrição pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que se esquiva diante da menor menção aos estudos em andamento. É fácil de entender a cautela. Da última vez que o governo falou em taxar a caderneta, foi um deus nos acuda. Os correntistas não esquecem a funesta experiência do confisco no governo Collor e reagem indignados contra qualquer movimento para tungar a poupança. A presidenta Dilma Rousseff sabe disso. Pediu sugestões, conhece as alternativas para reduzir a rentabilidade da caderneta, mas não tomará nenhuma decisão até que a remuneração fixa da poupança, de 0,5% ao mês mais TR, ameace provocar um êxodo dos títulos de renda fixa em direção à boa e velha poupança, a ponto de dificultar o financiamento da dívida pública.

Embora a relação entre a caderneta e a taxa básica de juros não seja direta, o temor existe porque, assim que a Selic cair para 8% ao ano, todos os investimentos em renda fixa atrelados a ela vão se tornar menos atrativos do que a poupança. “Mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer”, diz o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio Leal. “Mas a mudança não é fácil. Se fosse, o governo já teria feito.” Taxar um rendimento que, historicamente, nunca foi tributado, é o pior dos mundos. O governo Lula tentou por duas vezes – e por duas vezes recuou. Para Dilma, a questão que preocupa é a remuneração fixa da poupança de 0,5%. Qualquer mudança partiria da alteração desse percentual. A TR não é problema. À medida que a Selic cai, a TR acompanha a queda e se aproxima de zero. O economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank, Jankiel Santos, diz que qualquer alteração na TR tem impacto direto em contratos de empréstimos habitacionais. “Haveria um descasamento entre os ativos e passivos do setor habitacional”, diz.

No passado, a Fazenda usou o argumento de que taxar a poupança era o melhor meio para impedir que grandes investidores usassem a caderneta para obter lucros, distorcendo o mecanismo voltado para pequenos poupadores. Mas esse argumento não tem tido a mesma força com a presidenta Dilma. E dificilmente um projeto de lei cobrando imposto de renda sobre a caderneta passaria no Congresso em ano de eleição. Na verdade, o governo ainda tem algum tempo. O mercado financeiro mantém a previsão de mais dois cortes de 0,5 ponto percentual na Selic, nas próximas duas reuniões do Copom, em março e abril. Cairia de 10,5% para 9,5%. Também pesa a iniciativa do Banco Central em testar os juros neutros, um nível mais baixo para segurar a inflação sem prejudicar o setor produtivo. Há também a determinação da presidenta para que os bancos públicos comandem o movimento de queda de juros. No entanto, segundo o último relatório Focus, o Banco Central não deve ir abaixo dos 9,5%. Para a LCA Consultores, os juros devem voltar a subir em 2013, voltando aos 10,5%. Logo, não há por que taxar ou reduzir a remuneração da poupança neste ano nem em 2013. Como em 2014 há eleições, é bem possível que a poupança atravesse ilesa o governo Dilma Rousseff. Assim esperam milhões de poupadores.
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