terça-feira, 6 de setembro de 2011

Uma igreja contextualizada sem se tornar banal

Texto: Atos 15.1-31.

Introdução
O livro dos Atos do Espírito Santo registra um dos mais destacados eventos da história da igreja, o Concílio de Jerusalém. Sua finalidade era ouvir, discutir e trazer solução para um conflito que prejudicava o funcionamento da igreja. Deveria responder o seguinte questionamento: os gentios cristãos eram obrigados a obedecer às leis dos judeus? A resposta precisava ser obra do Espírito e da reflexão humana, pois dela dependeria o avanço da igreja: ser um apêndice do judaísmo ou um grupo fiel a Jesus, apelidado de cristãos (At 11.26), que tinha uma missão concedida pelo Mestre (Mt 28.18-20;At 1.8), sendo uma religião não circunscrita ao Oriente Médio.
No texto de Atos 15, percebe-se a atuação expressiva do Espírito e da igreja, onde figuras destacadas se levantaram com veemência e abordaram o assunto, com vistas a uma saudável solução.
A decisão do Concílio foi precisa, equacionou um problema que parecia ser eminentemente teológico (At 15.1), mas na verdade também era administrativo, moral e ético. Não dá para tratar das coisas do Espírito de outra forma, sem que seja com honestidade, com respeito às coisas sagradas (1Sm 2.22-26), com temor (Êx 20.20) e com vontade de subtrair obstáculos de qualquer ordem para que o povo viva melhor e apaziguado no íntimo, na fé, no convívio cristão e em suas relações com Deus.
Quando a solução é construída em Deus e a partir d’Ele, promove estabilidade. A Bíblia diz que quando as igrejas receberam a carta com a resolução dos conciliares (apóstolos e anciãos) de Jerusalém, aconteceu um sentimento notável de alegria (At 15.30,31), conforto espiritual e encanto pela vida da fé (pareceu bem ao Espírito Santo e a nós); era uma decisão não pautada por apego às tradições mosaicas, mas em obediência e valorização à pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. Perceberam que a igreja é uma realidade divino-humana, palco das realizações de Deus, onde o sobrenatural atua, onde são demovidos de suas ganâncias, intransigências e maldades, onde as coisas espirituais acontecem de modo surpreendente e o poder de Deus torna-se evidente.

I- Administra conflitos para não obstruir o progresso

A igreja do Senhor precisa ser sábia para não perder o foco, não se deixar levar pelas demandas, desafios e ações equivocadas (Fp 3.12-14).
Com o avanço da pregação do evangelho em Antioquia, muitos gentios se converteram, eram membros da igreja havia vários anos sem que fossem circuncidados. Surgiram então os questionamentos e até os que defendiam que eles deveriam se submeter ao ritual da circuncisão, conforme preceito mosaico. A situação avolumou-se tanto que, se esse problema não fosse resolvido, poderia atrapalhar o avanço da obra que eles realizavam. Temiam que esse ritual afrontoso e doloroso afastasse as pessoas da graça por não se submeterem a ele e, por outro lado, os que se submeteram, poderiam achar que não precisavam de Cristo (Gl.5.2). A igreja decidiu, então, enviar uma comitiva a Jerusalém (At 15.2), para que essa questão fosse tratada com diplomacia e dependência de Deus.
Em Jerusalém a decisão sobre o assunto foi democratizada. O Concílio não usou de parcialidade, ouviu algumas exposições, inclusive de Paulo, que era fariseu zeloso, mas sua lealdade a Cristo foi tão acentuada que o levou a separar-se da prática dos ritos da Lei como indispensáveis para a salvação, pois entendia que o sacrifício de Cristo era suficiente. Também foi proclamada a posição do cristianismo farisaico, que defendia a circuncisão como meio de salvação (At 15.1b). A posição de Pedro foi clara ao dizer que submeter um crente em Cristo a tal prática era o mesmo que tentar a Deus e colocar um jugo pesado, andando na contramão dos ensinos do Mestre (At 15.10; Mt 11.29,30).
A igreja que se contextualiza adequando-se e encontrando novos mecanismos e rumos para construir alternativas viabilizadoras de soluções, estará sempre na vanguarda, é o que nos ensina o Concílio de Jerusalém.
Não dá para olhar a igreja com visão estreita, político-eclesiástica, como os fariseus viam. Para eles era um partido dentro da congregação judaica. Essa visão distorcida era fruto da falta de entendimento da Palavra como um todo. Não compreendiam que a justiça excede o ritual (Os 6.6; Mq 6.6-8) e que o Senhor deseja um coração sincero e voltado para Ele, motivado pelo amor e não somente pela obediência legal (Ez 36.25-27; Jr 31.31-34).
A igreja contextualizada não mata o pecador para livrar-se do pecado, mas corrige em amor (Hb 12.5-11), resolve os conflitos com seriedade, analisando-os em profundidade, com diálogo e não com imposição. É consciente de que não dá para expor as vidas, nem ficar exposta; não se prende à mera letra da Lei; não usa de parcialidade, mas de justiça no tratamento de suas questões (1Jo 3.10; Jo 7.24); onde o que não é bom para um não pode ser bom para o outro (Mt 7.12) e valoriza os líderes, pessoas separadas por Deus, ouvindo suas orientações na solução dos conflitos teológicos, culturais, morais, sociais e pessoais. É igreja antenada com a eternidade e com o tempo, com o querer de Deus e o desejo do homem, com a imutabilidade de Deus e a mobilidade humana. Ela comunica a revelação dos mistérios da eternidade (Dn 2.28,29; Rm 16.25), aplica sua mensagem ao tempo, de acordo com a mensagem do Senhor (Ag 1.13; 1Jo 1.5) e apesar de sua fraqueza e imperfeição, a igreja louva seu Senhor pelo “grande mistério” – Cristo e a Igreja (Ef 5.23), sendo convicta, convincente e não banal.

II- Tem uma mensagem profética

Somos cidadãos de uma pátria conflituosa, com marcas de corrupção (Rm 8.20-22), de degradação moral e que jaz no maligno (1Jo 5.19). Isso nos leva, em alguns momentos, à apatia, à indiferença, achando que nada vai melhorar e que nem compensa lutar. É claro que esse não pode ser o quadro! Nosso desafio é pregar a Palavra contextualizada, recheada da essência divina e não das preferências humanas, que culminam com a banalização do sagrado; Palavra que mostre a dureza e a sublimidade da verdade (Jo 6.60-69); que apresente o evangelho bíblico mostrando a realidade do sacrifício e a necessidade de renúncia e compromisso com Cristo e sua igreja (Rm 12.1; Lc 14.33); que leve as pessoas ao amadurecimento para conviver com as diferenças para alimentar as convicções pessoais e a respeitar, sem murmuração, os que pensam e vivem diferente.
A pregação profética contextualizada não apresenta Deus mandando recados, mas comunicando vida; não fala em nome de Deus o que não está de acordo com a sua natureza e registrado em sua Palavra, o “assim diz o Senhor” (Êx 5.1); não apresenta Deus e o diabo como numa queda de braços disputando uma alma; o inimigo está derrotado (1Co 15.57; Rm 8.37) e, denuncia o pecado onde quer que ele esteja (Lc 3.2-6; Mt 14.3-5). Muitos, no ideal de contextualizar, acabam banalizando; quando amenizam a intensidade da Palavra, quando fazem concessões negociando a verdade (Gl 2.3-5), desprezando os princípios e romanceando a Palavra, dizendo o que ela não diz na essência (1Rs 22.16; Rm 1.25). Na pregação contextualizada, o pregador traz o passado para o presente, o distante para próximo, o de outro tempo para este tempo e o de outra cultura para a nossa cultura. O que foi dito aos outros será dito aos nossos, quando com piedade, temor, competência e humildade buscarmos em Deus a mensagem e a localizamos diante do povo e a aplicarmos para deleite e vigor espirituais para o seu progresso.
A falta de verdade profética permite o surgimento de práticas legalistas, vistas na impureza, na carnalidade (Rm 8.8), na fraqueza espiritual ou na inversão colocando o homem e não Deus no centro das coisas. Abre espaço também para o liberalismo, que não crê na veracidade, nem na inspiração da Bíblia distanciando-se dos referenciais da fé. Os profetas são homens do “Livro Aberto”, falam em nome de Deus, e na Bíblia comprovam o que dizem. Profetas do “livro fechado” são falsos e impostores.
Os servos de Deus são comissionados por ordem divina, são “encarregados do evangelho” (1Co 4.2) e proclamam uma mensagem correta (1Co 15.3,4) e não o “evangelho do êxito”, desejado pela sociedade que cultua a saúde, a riqueza e a felicidade. Para tanto, tais profetas buscam no Antigo Testamento textos que oferecem suporte às suas teses; a Bíblia está a serviço deles e rejeitam os conselhos de Deus (At 20.27). O “evangelho do êxito” é sem compromisso de fé. É mensagem barata para quem deseja soluções rápidas, mas sem mudança de caráter.

III – Confronta os fatos e as ideias

A grande beleza da verdade bíblica é comunicar o querer de Deus, que resiste aos questionamentos e averiguações (At 4.19,20). A igreja comportou-se de maneira lúcida ao desejar tratar da questão dos judaizantes de forma ampla e irrestrita. No Concílio, os relatos foram vistos como abordagens consistentes e inquietantes, pois receberam elogios e objeções. Pedro era figura importante do início da igreja (At 1.1-5), fez uso da palavra e defendeu a postura adotada em Antioquia, lembrou-se da visão em Jope (At 10.9-16) e de tudo que Deus lhe permitiu viver, inclusive anunciando o evangelho aos gentios, na casa de Cornélio (At 10.34-48), pois não fez diferença entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé (At 15.9). É um contraste à purificação exterior da circuncisão tão defendida pelos adeptos do judaísmo. Pedro encerra seu discurso apelando para que não tentassem a Deus, colocando sobre a cerviz dos discípulos um jugo pesado (At 15.10), sendo o de Jesus suave (Mt 11.29,30), ficando clara a diferença entre a Lei e a graça. Em remate, contextualizou a instrumentalização da salvação: não era necessário o sangue de animais, mas o de Cristo (Hb 9.11,12); o sacrifício no Templo, mas no Calvário (Hb 9.13-15); o filho da cordeira, mas o Filho de Deus, que tira os pecados do mundo (Jo 1.29), que é nome sem igual (At 4.12) e dá graça salvadora (At 15.11).
Ouvem-se Barnabé e Paulo sobre a obra que, por intermédio deles, Deus fazia entre os gentios (At 15.12) e, a partir daí, Tiago, irmão de Jesus e pastor titular da igreja de Jerusalém, que moderava o concílio (At 15.19a), faz uso da palavra de maneira habilidosa e surpreendente resumindo o assunto: Agora não estamos mais sozinhos como povo de Deus, não devemos perturbar os gentios que se converteram (At 15.19), as palavras dos profetas apoiam essa verdade (At 15.15-18), estão isentos de obedecer à lei judaica, contudo vamos escrever-lhes uma carta (At 15.20) dizendo que como gentios cristãos deveriam se abster das contaminações dos ídolos, grande preocupação da igreja primitiva (1Co 8.1-10; 10.19); da prostituição, prática adotada por pagãos até nos cultos; do que é sufocado, pois o sangue não era retirado da carne e, do comer sangue, restrição desde o tempo de Noé (Gn 9.4).
A conclusão do Concílio de Jerusalém foi simpática aos apóstolos, aos anciãos e a toda a igreja (At 15.22). Foi a sentença de emancipação dos gentios da tutela cerimonial judaica. Eles agora continuariam na igreja servindo a Jesus e ligados aos preceitos de sua Palavra.
Esta solução agradou a todos, promovendo alegria espiritual (At 15.31). Sendo assim, contextualizar é confrontar fatos e ideias e não pessoas. É equacionar conflitos promovendo saídas com alternativas sábias. É descortinar diante das pessoas o que era obscuro. É mudar métodos e não o caráter. É ajustar as formas sem abrir mão da postura digna.

Para pensar e agir

 A igreja contextualizada se envolve neste mundo sem se contaminar com ele, fazendo diferença e sendo útil para dar respostas aos seus anseios. Não banaliza a verdade reduzindo o sagrado ao profano, nem o contrário. Contextualizar é deixar a Palavra ao alcance da compreensão das pessoas, mas não é mudar o tempo nem a Bíblia.
 Quando a ideia de contextualização leva em conta destruir a história, fazer ruptura no presente e projetar o futuro de forma autônoma, é divisão, golpe ou deslealdade. Contextualizar não é romper, mas adequar e apropriar-se de mecanismos novos, e dos avanços tecnológicos para melhorar a performance.
 Vale a pena administrar conflitos, confrontar fatos e ideias à luz da mensagem profética para encontrar as soluções e alternativas necessárias ao progresso espiritual.
 A contextualização é necessária, visto que vivemos num mundo de franco progresso, onde as coisas mudam numa velocidade assustadora, impondo a revisão de conceitos, costumes e métodos. Quem se atira de forma irresponsável a essas revisões pode cometer muitos desatinos e banalidades, ocasionando prejuízos terríveis à pessoa e à Causa.

Leituras diárias
segunda-feira – Colossenses 4.2-6
terça-feira – Provérbios 16.1-9, 16-24.
quarta-feira – Hebreus 2.1-18
quinta-feira – 1Timóteo 1.3-11
sexta-feira – 2Timóteo 2.14-26
sábado – 2Pedro 3.14-18
domingo – Gálatas 2.1-16

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