segunda-feira, 22 de agosto de 2011


O conflito entre o novo e o velho

É essencial a uma pessoa regenerada que compreenda o que obteve com o novo nascimento e o que persiste de seus dotes naturais. Esse conhecimento a ajudará em sua peregrinação espiritual. Neste ponto pode ser útil explicar tudo o que é entendido da carne do homem e também a maneira com que o Senhor Jesus trata com os componentes dessa carne, em sua redenção. Em outras palavras, o que herda um crente na regeneração?
Uma leitura de vários versículos de Romanos 7 pode deixar claro que os componentes da carne são principalmente «o pecado» e «o eu»: «o pecado que vive em mim..., quer dizer, em minha carne» (vs. 14,17,18). O «pecado», aqui, é o poder do pecado, e o «minha» é o que reconhecemos normalmente como «o eu». Se um crente quer compreender a vida espiritual, não deve estar desorientado a respeito destes dois elementos da carne.
Sabemos que o Senhor Jesus tratou com o pecado de nossa carne em sua cruz. E a Palavra nos informa que «nosso velho eu foi crucificado com Ele» (Rm. 6:6). Em nenhuma parte da Bíblia nos diz que temos que ser crucificados, posto que isto Cristo já o sofreu de uma maneira perfeita.
Em relação ao assunto do pecado, ao homem não se exige que faça nada. Só tem que considerar isto como um fato consumado (Rm. 6:11) e colherá a eficácia da morte de Jesus sendo totalmente libertado do poder do pecado (Rm. 6:14).
A Bíblia jamais nos diz que temos que ser crucificados pelo pecado, é verdade. Entretanto, nos exorta sim, que  levemos a cruz para negar o eu. O Senhor Jesus em muitas ocasiões nos manda que neguemos a nós mesmos e levemos a cruz e O sigamos. A explicação disto é que a forma como o Senhor Jesus trata nossos pecados e trata a nós mesmos é muito distinta Para conquistar o pecado por completo o crente só necessita um instante. Para negar seu eu necessita toda a vida. Jesus só levou nossos pecados na cruz, mas se negou a si mesmo durante toda sua vida. Nós devemos fazer igual.
A carta de Paulo aos Gálatas descreve a relação entre a carne e o crente. Por um lado nos diz que «os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e desejos» (5:24). No mesmo dia em que uma pessoa se identifica com o Senhor Jesus, sua carne também é crucificada.
Agora bem, alguém poderia pensar, sem a instrução do Espírito Santo, que sua carne já não existe, pois acaso não foi crucificada? Mas, por outro lado, a carta nos diz «andem no Espírito e não satisfaçam os desejos da carne. Porque os desejos da carne se opõem ao Espírito, e os desejos do Espírito se opõem à carne» (5:16, 17). Aqui nos diz claramente que o que pertence a Cristo Jesus e que já tem o Espírito Santo vivendo nele, ainda tem a carne nele. E não é somente que a carne existe; também nos diz que é singularmente poderosa.
O que podemos dizer? São contraditórios estes dois textos bíblicos? Não. O versículo 24 põe ênfase no pecado da carne, enquanto que o versículo 17 o põe no eu da carne. A cruz de Cristo trata com o pecado, e o Espírito Santo trata com o eu por meio da cruz. Cristo liberta por completo o crente do poder do pecado por meio da cruz, para que o pecado não torne a reinar, mas Cristo, por meio do Espírito Santo que vive no crente, capacita-o para vencer o eu dia após dia e para que obedeça a Ele por completo. A libertação do pecado é um fato consumado. A negação do eu tem que ser uma experiência diária.
Se um crente pudesse compreender toda a transcendência da cruz ao nascer de novo, se livraria totalmente do pecado e teria uma vida nova. É realmente lamentável que muitos obreiros cristãos não apresentam essa salvação completa aos pecadores, e com isso, estes só acreditam na metade da salvação de Deus. Isto os deixa nessa situação: seus pecados estão perdoados, mas falta-lhes a força para deixar de pecar. Por outra parte, mesmo nas ocasiões em que se lhes apresenta a salvação em sua totalidade, os pecadores só desejam que seus pecados lhes sejam perdoados,  porque não esperam sinceramente ser libertados do poder do pecado.
Se uma pessoa crê e recebe uma salvação plena desde o começo, terá menos fracassos lutando com o pecado e mais êxito lutando com o eu. É raro encontrar esse tipo de crentes. A maioria só têm a metade de sua salvação. Por isso a maioria de seus conflitos são com o pecado. E alguns nem sequer sabem o que é o eu. Quanto a isto, a condição pessoal do crente até usa uma parte antes da regeneração. Muitos tendem a fazer o bem inclusive antes de acreditar. É obvio que não possuem o poder para fazer o bem nem tampouco podem ser bons. Mas sua consciência parece estar relativamente iluminada, embora sua força para fazer o bem seja débil. Têm o que se costuma chamar de conflito entre a razão e as paixões. Quando se inteiram da salvação completa de Deus aceitam ofegantes a graça para a libertação do pecado no mesmo momento em que recebem a graça para o perdão do pecado.
Outros, entretanto, antes de acreditar, têm a consciência negra, pecam terrivelmente e jamais tentam fazer o bem. Ao conhecer a salvação completa de Deus se agarram à graça do perdão e descuidam (não rejeitam) a graça para a libertação do pecado. No futuro enfrentarão muitas lutas com o pecado da carne.
E por que será assim? Porque um homem assim nascido de novo possui uma vida nova que lhe exige que vença o domínio da carne e obedeça a ela em seu lugar. A vida de Deus é absoluta. Tem que obter o domínio total sobre o homem. Assim que esta vida entra no espírito humano exige do homem que abandone a seu antigo amo, o pecado, e se submeta por completo ao Espírito Santo. Mesmo assim, o pecado está muito enraizado neste homem em particular. Embora sua vontade seja renovada em parte através da vida regenerada, ainda está apegado ao pecado e ao eu. Em muitas ocasiões se inclina ao pecado.
Inevitavelmente surgirá um grande conflito entre a vida nova e a carne. Posto que são muitíssimas as pessoas que se encontram nesta situação, lhes prestaremos uma atenção especial. Entretanto, permitam que recorde a meus leitores quão desnecessário é ter lutas e fracassos contínuos com o pecado (não com o eu, pois isto é diferente).
A carne exige soberania absoluta, igualmente a vida espiritual. A carne deseja ter o homem sujeito para sempre a ela mesma, enquanto que a vida espiritual quer ter o homem completamente sujeito ao Espírito Santo. A carne e a vida espiritual diferem por completo. A natureza da carne é a do primeiro Adão, enquanto que a natureza da vida espiritual pertence ao último Adão. O mover da primeira é terrestre, mas o da segunda é celestial. A carne centra todas as coisas no eu; a vida espiritual centra tudo em Cristo. A carne deseja levar o homem ao pecado, mas a vida espiritual deseja levá-lo à justiça. Posto que estas duas são tão essencialmente opostas, como uma pessoa pode evitar se chocar continuamente com a carne?
O crente estará em constante luta se não compreender toda a salvação de Cristo.
Quando os crentes jovens entram nestes conflitos ficam estupefatos. Alguns se desesperam em querer crescer espiritualmente, pensando que são muito maus. Outros começam a duvidar de que estejam realmente regenerados, sem ver que a própria regeneração suporta esta confrontação. Antes, quando a carne governava sem interferências (porque o espírito estava morto), podiam pecar terrivelmente sem ter nenhum sentimento de culpa. Agora surgiu a nova vida, e com ela a natureza, o desejo, a luz e o pensamento celestiais. Quando esta nova luz penetra no homem põe a descoberto imediatamente a corrupção que há dentro. O novo crente não quer permanecer em um estado semelhante e deseja seguir a vontade de Deus. A carne começa a lutar com a vida espiritual. Esta batalha dá a impressão ao crente de que em seu interior há duas pessoas. Cada uma tem sua própria idéia e força. Cada uma busca a vitória. Quando domina a vida espiritual, o crente se sente muito feliz, mas quando começa a dominar a carne, se entristece. As experiências deste tipo confirmam que essas pessoas foram regeneradas.
O propósito de Deus não é, nem será jamais, reformar a carne mas sim destruí-la. O eu na carne deve ser destruído com a vida de Deus que o crente recebe na regeneração. Certamente, a vida que Deus transmite ao homem é muito poderosa, mas a pessoa regenerada ainda é um bebê recém-nascido e muito fraco. A carne teve as rédeas durante muito tempo e seu poder é tremendo. Além disso, o regenerado ainda não aprendeu a receber por fé a completa salvação de Deus. Embora esteja salvo, ainda está na carne durante este período. Ser carnal significa estar sendo governado pela carne. O mais lamentável é que um crente, iluminado pela luz celestial para conhecer a maldade da carne e para desejar com todo o coração vencê-la, encontre-se muito fraco para obtê-lo. É quando derrama muitas lágrimas de tristeza. Como não vai estar zangado consigo mesmo se, embora abrigue um novo desejo de destruir o pecado e agradar a Deus, sua vontade não é bastante firme para dominar o corpo de pecado?
Poucas são as vitórias, e muitas as derrotas.
Em Romanos 7 Paulo expressa a angústia deste conflito:

«Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço.  E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.  Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus;  mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros.» (vs. 15-23).

Muitos se identificarão com seu brado de quase total desespero:

«Miserável homem que sou! Quem me libertará deste corpo de morte?» (v. 24).

Qual é o significado desta confrontação? É uma das maneiras com que o Espírito Santo nos disciplina. Deus proporcionou uma salvação total para o homem. Quem não sabe que a tem não poderá desfrutar dela, nem tampouco poderá experimentá-la se não a desejar. Deus só pode dar algo aos que acreditam, recebem e pedem. Por isso quando o homem pede o perdão e a regeneração Deus o concede, sem dúvida. E Deus usará o conflito para levar o crente a procurar e a conseguir o triunfo total em Cristo. O que antes era ignorante agora desejará saber, e então o Espírito Santo terá uma oportunidade de lhe revelar o que Cristo fez com seu velho homem na cruz para que agora possa acreditar e possuir este triunfo. E o que não possuía porque não procurava, descobrirá por meio desta luta que toda a verdade que ele tinha só era mental e, por conseguinte, inútil. Isto lhe fará desejar experimentar a verdade que só tinha conhecido mentalmente.
As lutas aumentam dia a dia. Se os crentes se mantiverem fiéis sem se desesperar, passarão por conflitos mais duros até o momento em que sejam libertados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário